O primeiro pressuposto ontológico do Principhia Ethica de Moore

Moore pretendeu iniciar sua investigação sobre a Ética a partir de uma pergunta fundamental: que coisas possuem valor intrínseco, devem existir por si mesmas, são boas? Trata-se de uma pergunta paradoxal: ela constitui uma interrogação eticamente elementar, mas ontologicamente complexa. Ela é elementar ao nível ético, na medida que constitui base adequada para toda uma série de perguntas posteriores. Mas possui intricada contextura ontológica que se revela em um conjunto de decisões (postulados) fundamentais, de alto impacto nas teses principais da obra.

De saída, há a menção à noção de valor intrínseco, e a associação da Ética com o domínio deste tipo de valores. De saída, registre-se que não se trata da busca por valores, mas por coisas valiosas. Trata-se, portanto, de uma ética ontológica, radicada nos entes, e não de uma ética axiológica, que repousa unicamente sobre valores.

A rigor, inexiste ética unicamente ontológica. A distinção mais correta a ser feita é que opõe uma ética ontológica-e-axiológica (uma ética que parte da premissa de que há entes e há valores eticamente importantes) e uma ética plenamente axiológica, que pretende ser edificada unicamente sobre valores.

A ética ontológica-e-axiológica admitirá que, a par de valores como liberdade, justiça, igualdade (em sua relação fundamental com o Bem), existem também coisas ou realidades valiosas em si mesmas (por exemplo, saúde, família, ou mesmo, fama, status, sexo, conforme a perspectiva).

A ética axiológica se baseará em uma distinção mais radical entre entes e valores, ou seja, entre o ser e o dever-ser. Não há espaço, nela, para entes que valem nem para valores que são. Os fatos, ações, fenômenos não realizam valores: se referem a eles, que os transcendem infinitamente. Nenhuma ação realiza a justiça, nenhuma enunciação realiza a verdade, nenhuma obra de arte realiza a Beleza.

         Porém, a mesma ressalva contraposta à idéia de uma ética puramente ontológica serve também para impugnar que se fale em uma ética unicamente axiológica: os entes, fenômenos, ações, etc não realizem os valores, mas, ao referirem-se a estes, eis que eles os suportam. Há, portanto, coisas que servem de suportes para certos valores e coisas que não servem. E uma ética que pretende prescrever ações, que são realidades ônticas concretas, situadas deveras no plano do ser, necessita teorizar adequadamente a respeito de critérios para a escolha dos melhores meios ou modos (suportes) para a referência ao Bem (já que ela não admite a realização pura e simples). Haverá nela, portanto, elementos ontológicos inelimináveis, sob pena de ela decair em mero discurso idealizado ou mera declaração inefetiva de nobres intenções. 


         Assim, também a ética axiológica será uma ética ontológica-e-axiológica, com predominância do segundo elemento. Nela, a ênfase recairá sobre os valores, sobre sua articulação, hierarquia, interação com a realidade, imperatividade ou não; mas todas estas questões deverão abordar um mínimo substrato ontológico, sob pena de suas ilações se perderem no campo do puro devaneio inefetivo. 

          Desta forma, para diferenciar as duas modalidades básicas de Ética, digamos que há uma ética predominantemente ontológica e outra predominantemente axiológica. Ou, se preferirem, uma ética ontológica-e-axiológica e outra axiológica-e-ontológica. 

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