Quando George Edward Moore pontifica, no prefácio do seu Principhia Ethica, que a ética cuida (ou, ao menos, deve cuidar) das coisas que possuem valor intrínseco, os
espiritualismos de plantão abrem os ouvidos para ouvir o que consideram uma
doce cantilena, ou uma música dos céus: afinal, para a maioria deles, o
espírito prevalece absolutamente sobre a matéria, a rege ou subordina
completamente, de modo que, dentre os dois, seria ele o ente ou realidade
dotado de valor intrínseco, ao passo que à matéria restaria um valor meramente
extrínseco, na dupla significação basilar da expressão – valor instrumental e valor relativo. Mas,
será necessariamente assim?
Não
se há de negar que a idéia do primado ontológico do espírito sobre a matéria
constitui um postulado filosófico legítimo, razoavelmente defensável ou racionalmente refutável, e prenhe de conseqüências favoráveis e dificuldades emergentes, como
ocorre com toda tese fundante deste tipo.
A
rigor, a única coisa que afirma todo e qualquer espiritualismo é que existe
esta coisa chamada espírito –
podendo, inclusive, haver divergências infindáveis quanto a definir em quê de
fato ele consiste.
Dizer,
pois, que há uma supremacia do espírito requer um trabalho argumentativo maior
do que simplesmente para argüir a mera existência do mesmo.
Que haja espírito, é algo que até mesmo cosmovisões ateístas podem defender ou compartilhar, sob certas condições. Mas, em tais casos, a dimensão espiritual da realidade não possuirá primazia em face da material, sendo talvez subordinada a esta, como um epifenômeno ou fenômeno secundário, dotado de provisoriedade, limitação ou impermanência.
Tal é o caso, por exemplo, de quem identifica o domínio do espiritual com o do simbólico ou cultural. Para este, existes questões espirituais distintas das preocupações materiais/naturais/vitais imediatas. Todavia, são questões articuladas com aquelas, e dependentes delas: a obra de arte existe em razão de uma função vital, o direito em razão da coexistência social, em suma - toda atividade espiritual radica em alguma necessidade material.
No caso das doutrinas que se deixam intitular sob a alcunha de espiritualistas, a relação do espírito com a matéria tende a ser visualizada nos termos de uma preponderância, mas não necessariamente. Uma doutrina panenteísta, ao molde do Espinosismo, por exemplo, dirá que tanto Matéria quanto Espírito são manifestações do Ser Supremo, igualmente importantes, e incapazes de exprimirem isoladamente sua natureza primordial.
Que haja espírito, é algo que até mesmo cosmovisões ateístas podem defender ou compartilhar, sob certas condições. Mas, em tais casos, a dimensão espiritual da realidade não possuirá primazia em face da material, sendo talvez subordinada a esta, como um epifenômeno ou fenômeno secundário, dotado de provisoriedade, limitação ou impermanência.
Tal é o caso, por exemplo, de quem identifica o domínio do espiritual com o do simbólico ou cultural. Para este, existes questões espirituais distintas das preocupações materiais/naturais/vitais imediatas. Todavia, são questões articuladas com aquelas, e dependentes delas: a obra de arte existe em razão de uma função vital, o direito em razão da coexistência social, em suma - toda atividade espiritual radica em alguma necessidade material.
No caso das doutrinas que se deixam intitular sob a alcunha de espiritualistas, a relação do espírito com a matéria tende a ser visualizada nos termos de uma preponderância, mas não necessariamente. Uma doutrina panenteísta, ao molde do Espinosismo, por exemplo, dirá que tanto Matéria quanto Espírito são manifestações do Ser Supremo, igualmente importantes, e incapazes de exprimirem isoladamente sua natureza primordial.
Mas é bem verdade que a tendência de tais doutrinas é postular a superiordade do espírito, e isto costuma atingir níveis extremos. Alguns
espiritualismos chegam, de fato, a argüir a completa desvalia ou negatividade
da matéria: ela seria tentação, dano, fonte de queda, de ilusão, de erro, de
morte, de mal. Esta compreensão, além de sua dificuldade ética quase insanável
(uma vez que, ao menos neste mundo, é impossível uma ação puramente espiritual),
traz também uma necessidade ontológica não justificada: se a matéria é, de
fato, tão negativa em si mesma, por que ela existe (ou, segundo outro ponto de vista: por que foi criada)?
Portanto,
qualquer investigação ética que admita como ponto de partida uma ontologia da
dupla realidade, material-e-espiritual,
deve colocar-se primeiramente em situação de decidir se ambos os domínios
ontológicos (o material e o espiritual) possuem valor intrínseco, se apenas alguns deles, ou se há
alternativas intermédias entre tais extremos (como, por exemplo, haver objetos
ou entes materiais e espirituais intrinsecamente valiosos, e outros que não o
sejam; ou, ainda, situações existenciais nas quais o elemento material ou o
espiritual apareçam como valiosos ou não, para o caso).
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