Criticismo Gnosiológico e Relativismo Hermenêutico

Ao apontar as duas atitudes gnosiológicas contrárias a todo propósito interpretativo autêntico, Pasqualini[1] oferece uma terceira via que evitaria a ambas. Para ele, há que se evitar a ilusão dogmática e a indiferença cética, em favor de um relativismo capaz de ensejar o dialogismo e a discursividade, na busca por sempre melhores interpretações.

O mais interessante nesta afirmação é que ela faz ecoar vozes kantianas, mas com uma certa inflexão diferenciadora. Sim. Kant, no prefácio à primeira edição de sua gloriosa Crítica da Razão Pura,  também procurou contrapor-se às atitudes dogmática e cética no campo da Gnosiologia (Teoria Geral do Conhecimento) e Epistemologia (Teoria do Conhecimento Científico ou Teoria da Ciência). Porém, a ambas procurou contrapor o a atitude crítica (que os historiadores depois denominaram Criticismo).

E então? O que haveria de comum entre o relativismo hermenêutico de Pasqualini e o Criticismo Epistemológico Kantiano?

O relativismo hermenêutico propõe que todas as interpretações são relativas. Isto significa que nenhuma possui valor absoluto. Todas elas valem em algum grau.

Isto, para um observador apressado, poderia significar um indiferentismo: se todas valem, poderei optar por qualquer uma. Mas não é o que acontece. Se fosse assim, todas elas teriam valor nulo, pois não haveria como hierarquizar as melhores e piores interpretações.

Valer relativamente significa: valer dentro de um referencial adotado, de um sistema de referências ou relações. Dentro deste sistema, poderei escalonar as melhores interpretações, justamente medindo o grau de relatividade delas. Por exemplo, dentre possíveis sentenças trabalhistas que eu posso proferir no Brasil, as melhores serão aquelas com maior grau de referencialidade ou relatividade às normas trabalhistas do país. Quanto mais referência, mais fundamentação, mais legitimidade, mais valor interpretativo.

O Criticismo kantiano propõe coisa semelhante no plano epistemológico. Para ele, um enunciado científico é crítico quando é formulado com atenção às suas condições de possibilidade. Se eu afirmo algo sobre um objeto que está além da minha capacidade de conhecimento, esta afirmação é acrítica. E, dentro as afirmações críticas, as mais consistentes são aquelas que possuem mais robustas referências aos seus fatores condicionantes.

O Criticismo, portanto, é um relativismo: uma afirmação crítica é aquela que atenta para as relações que co-determinam o âmbito de verdade da coisa ou do enunciado.

Do mesmo modo, o relativismo é um criticismo: uma afirmação relativa faz menção ao horizonte de validade dentro do qual pode ser avaliada e confrontada com outras, e não ultrapassa o limite daquilo que lhe seja dizível.





[1] In: Hermenêutica e Sistema Jurídico, Introdução

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