Os perigos do Niilismo Hermenêutico

Pasqualini inicia a introdução do seu importante tratado “Hermenêutica e Sistema Jurídico” cuidando daquilo que entende por “Niilismo Hermenêutico”, e que corresponderia a uma visão das coisas na qual nenhuma interpretação vale mais do que a outra, nenhuma interpretação seria melhor do que a outra. A princípio, esta idéia poderia abrir perspectivas democratizantes, emancipadoras. Mas um olhar mais cauteloso permite perceber que não é bem isto que acontece.

Se nenhuma interpretação é melhor do que a outra, para que eu devo me esforçar por interpretar um texto, uma lei, um símbolo, um documento, um fato? Qualquer interpretação que eu fizer será tão legítima quanto a outra. A simplória impressão espontânea que eu esboçar sobre o tema será tão válida quanto a minuciosa investigação elaborada por um competente e dedicado analista. No limite, eu poderia dizer qualquer coisa, de pronto, me eximindo até do dever de interpretar. A igualdade absoluta entre todas as interpretações significa, na prática, a impossibilidade de toda e qualquer interpretação.

É por isto que Pasqualini nomeia esta atitude como Niilismo Hermenêutico. Niilismo é uma doutrina filosófica (ou melhor, uma anti-doutrina) ou ideologia que assume um viés ora ontológico (‘nada existe’) ou axiológico (‘nada vale’). No campo da hermenêutica, a primeira diria que “não existe interpretação: ninguém consegue desvendar verdadeiramente o que outro disse, escreveu ou pensou”; e a segunda afirmaria que “todas as interpretações valem o mesmo, ou seja, nenhuma é melhor do que a outra, e, portanto, nenhuma vale nada”.

É preciso, pois, que haja boas e más interpretações. Que seja possível sempre interpretar melhor. Pode-se a todo instante discordar dos critérios utilizados por outrem em sua exegese interpretativa. Mas, no fim das contas, é preciso que haja algum critério. Ironicamente, a única interpretação que não tem valor é esta, a que diz que nenhuma interpretação tem valor. Pois é... como já dizia Nietzsche, “Não há fatos: apenas interpretações”. E isto é um fato.  


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