Dez anos

Entre brisas supostas, noutro plano,
A voragem do tempo se aniquila:
Pois, de algum modo, ainda é o mesmo ano

Que esta data desvela (igual sibila)
outra vez na memória (e incertamente)
num coqueiro que é ser (e eterno oscila).

Pouco importa qual era o ser do ente
só sei que, a uma hora tal, convalesci
ao ter, num virtual estar-me à frente,

a presença de incógnito ser-aí...
quase que pura idéia ou transcendência
ser que não conheci: primeiro o li.

Leitura que, em silêncio, não convence a
alma de que também há alma e voz
para aquém do devir, da evanescência

de um ouvir que, no entanto, é um estar a sós.
E eis que, ao verbo sem carne, eflui o instinto,
como um rio que estuasse contra a foz.

E o abissal e absenteístico absinto
mergulhou-me, de chofre, num 'Tu és':
alter-ego de um Eu, Paulo em Corinto,

Cristo cujo ocultar-se, ao invés
de morrer, faz nascer: Cristo menino,
feminino a sorrir do cacho aos pés

a fingir que não finge, a ser traquino,
a recusar o mero assentimento,
assentindo em opor-lhe sempre um tino,

e incutindo mais um fino argumento
nas alturas longínquas da Poesia
nas funduras sem-fim do Pensamento.

E este outro (esta Outra), sem demora,
do longe fez-se perto, e outra vez longe
menina que perambula estrada afora

como a noiva secreta de um monge.
Desde então, não deixou mais de estar rente
na saudade do entre-ser que tange

todo encontro estelar... sazonalmente,
à distância se enroscam (e eis o eclipse:
falsa síntese, cópula aparente).

E, assim, a ambivalente e dupla elipse
(curva fechada, duplo centro, um plano;
palavra, idéia e tropo em falta tríplice)

é a metáfora eterna dos arcanos
que, de interlúdios, tece-lhes juntura:
Ser e Tempo agora são dez anos.

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