1 Introdução
A idéia de fé é relativamente estrangeira
em relação à civilização helênica, em seu período clássico – ao menos, no que
se refere à sua autocompreensão teórica1.
Isto, porém, não significa que a realidade o seja, uma vez que a sua
experiência radica nas raízes mais profundas do ser humano, para além de
quaisquer quadrantes culturais, e talvez mesmo até onde ela pareça estar
ausente.
Em contrapartida, a reflexão da
civilização cristã, gestada e nutrida no berço da latinidade, desde sempre
acolheu a fé com centralidade, na tentativa de justificá-la tanto perante a
tradição cultural secular, quanto em face das demais religiões já vigentes nas
latitudes sobre as quais incidiu a pregação do Evangelho.
Esta diferença visceral de perspectiva
impermite a tentativa de postular, como problema para uma investigação
histórico-crítica, a questão das relações entre fé e razão nos mundos helênico
e cristão. No entanto, um simples recuo de um passo desvenda um denominador
comum, uma mesma crisis a perpassar os séculos de fundação dos
dois horizontes civilizatórios: o problema da relação entre pensamento
religioso e pensamento filosófico. Isto sim, constituiu perplexidade comum a um
e outro, e quiçá conglobe a própria Modernidade tão pretensamente secular e
profana e – por que não? –, a caleidoscópica Pós-Modernidade.
Nos gregos, o aludido problema foi
luminarmente expresso na parêmia mythos
x logos2,
ao passo que, para os cristãos, o mesmo se corporifica na distinção entre fé e razão. As interpretações
simplistas tendem a reduzir um dos lados ao outro, ou então identificá-los pólo
a pólo. Ainda que tais hipóteses não sejam necessariamente falsas (uma vez que
podem ter, de fato, se materializado em determinado tempo e lugar, em algum
filósofo, seita ou nação), também não são aprioristicamente veradeiras, e nem
frequentes: as quatro noções (e suas respectivas realidades) constituem um
quadrado "mágico", a desafiar a compreensão dos sábios.
Por isto, o presente estudo buscará
efetuar um breve apontamento do gigantesco problema da relação entre religião e
filosofia, na Hélade e na Catolicidade, tomando por exemplo e fio condutor as
transições de Platão a Agostinho e de Aristóteles a Aquino. Para tanto, porém,
fará o contraponto a partir dos textos dos dois pensadores cristãos, tentando
identificar remanescências e mudanças nas opiniões destes em relação aos seus
predecessores e inspiradores no tocante às quatro noções indicadas. Servirão
como parâmetro os opúsculos Sobre
a Natureza do Bem, de
Agostinho, e Sobre a
Eternidade do Mundo, de Aquino.
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