As diversas veredas do Sermão da Montanha


O jovem rabi de Nazaré, após uma longa fermentação silenciosa, resolve começar sua tarefa apostólica pelo fim, pelo cume, como quem primeiro quisesse mostrar a meta para depois indicar os caminhos pelos quais buscá-la. O Sermão da Montanha é, simplesmente, o cume da Boa Nova, o norte longínquo de todo argonauta iniciante nos mares bravios do tornar-se cristão.


Jesus, porém, não semeia utopias, por mais que nós as consideremos tais; ele indica o mapa da mina, inclusive anotando os abismos possíveis e os necessários desvios em relação à velha rota. O famoso Sermão traça um roteiro, delineando os passos necessários e o sentido da caminhada conforme um esquema progressivo e sensato. Vejamos seus elementos principais.


Em primeiro lugar, ele apresenta uma série de promessas proféticas: as famosas bem-aventuranças (o reino dos céus, o fim do sofrimento, a posse da terra, a justiça, a visão de Deus, a misericória, a condição de filho de Deus).


Como promessas, as bem-aventuranças representam a situação futura daqueles que aceitarem e cumprirem as condições (pobreza pelo espírito, tristeza em face do mundo atual, fome e sede de justiça, mansidão, pureza de coração, misericórdia, atuação pacificadora).


Como profecias, portanto, elas indicam a atitude necessária para aqueles que querem se colocar em situação favorável diante do futuro anunciado.


Em linhas gerais, elas representam o cume da montanha, o termo do percurso, o prêmio da conquista.


Depois delas, o divino Rabi enuncia, em duas belíssimas imagens fundamentais, a missão do discípulo que aceita as promessas e lhes quer fazer jus: ser o sal da terra, ser a luz do mundo. E diz as consequências do não sê-lo: o ser pisado pela gente, como sal inútil; e o não brilhar como luz. Em suma: ele resume o sentido especial da viagem a iniciar-se.


Em seguida, ele nos fornece um rol de preciosas complementações da lei antiga: não só não matar, mas não ofender de forma alguma; não só não adulterar, como não cobiçar mulher alheia, ou qualquer mulher se for casado, nem romper o matrimônio; não só não jurar em falso, como não jurar de forma alguma, mesmo verdadeiramente; não retribuir apenas com justiça (olho por olho), mas com humildade, renúncia e caridade (dar a outra face, dar capa e túnica, dar a quem pedir); amar, não só ao próximo, mas aos inimigos, e ser perfeito como Deus.


Em todos estes casos, trata-se não de abolir a Lei mosaica, mas de a completar. Jesus, então, não modifica os caminhos: ele os prolonga, mostra que a verdadeira meta está mais adiante.


Além disso, ele apresenta uma série de recomendações acerca de deveres religiosos: dar a esmola, sim, mas em segredo; orar sim, mas em segredo; jejuar sim, mas em segredo. Três regras, mas um só princípio. Trata-se, neste caso, do modo de caminhar.


No mesmo sentido, ele indica algumas proibibições: não acumular tesouros na terra, não dar cuidados em demasia à vida material, não julgar o outro. São os abismos a evitar na jornada.


Ele ajunta, logo depois, alguns mandamentos: pedir e bater pela oração, entrar pela porta estreita. Estas são as trilhas seguras deste caminho.


Ele acrescenta, por fim, dois avisos: tomar cuidado com os falsos profetas e com a falsa devoção ("Senhor, Senhor"). Ambas apresentam desvios, que podem conduzir a abismos.


Ao final deste elenco de condutas devidas, proibidas, recomendadas, advertidas, o mestre galileu oferece uma garantia universal: aquele que ouve as palavras e realiza é como o que construiu a casa sobre a rocha.


A vida cristã é o próprio rochedo sobre o qual se eleva a alma do cristão rumo aos píncaros da longínqua beatitude.


Vê-se, portanto, que o Sermão da Montanha, por mais que nos exiba o belo arroubo de inspiração poética que o faz constar do rol das mais belas páginas de oratória da nossa tradição, não deixa de apresentar uma estrutura interna articulada e uma abrangência temática notável, as quais são o indício mais que seguro de uma longa reflexão formadora daquelas convicções profundas, e ainda, da paciente preparação da própria trama discursiva do Sermão.  

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