Os requisitos caracterizadores da relação de emprego doméstica


O trabalhador doméstico, como todo empregado, exerce pessoalmente atividade de prestação habitual de serviços, com subordinação jurídica e mediante salário. Todavia, trata-se de uma relação empregatícia especial, com notas distintivas que convém sempre atentar. 
Para facilitar a compreensão, chamaremos este conjunto de elementos singularizadores de tríade de requisitos. São eles:

a) Trabalhar para uma pessoa física ou uma família
b) No âmbito residencial do seu empregador
c) Desenvolvendo atividade sem fim lucrativo

Analisemos cada requisito em especial.
Com relação ao primeiro, note-se que, embora constitua um ente jurídico despersonalizado, a família é elemento sociológico levado em consideração na caracteriação da relação laboral doméstica. 
Lembre-se que o Direito do Trabalho é marcado pelo signo da Primazia da Realidade. E é fato indelével, desde a aurora dos tempos, que família e casa se copertencem inextrincavelmente. Os gregos, por exemplo, nomeavam a família (oikogeneia) a partir da casa (oikos): família era o conjunto de pessoas que tinha por origem (genesis) a mesma casa. 
E, hoje, reconhece-se a plena multiplicidade dos modelos familiares, relativizando-se critérios outrora absolutos, como a afetividade (vide a família homoafetiva), a parentalidade (vide a família monoparental) e mesmo a intersubjetividade (vide a família unipersonal). 
Em todo caso, e a contrario sensu, registre-se: pessoa jurídica não pode ser empregador doméstico. Como a família, ela pode até consistir numa multiplicidade de pessoas, mas a elas falta o atributo da pertença originária a um espaço existencial. A família nasce na oikos, enquanto a organização (pessoa jurídica) nasce na ágora (praça): é uma instituição genuinamente social. 
O funcionário do condomínio residencial, por exemplo, ainda que venha a exercer atribuições no interior das casas ou apartamentos (como um encanador ou eletricista assalariado pelo condomínio), será empregado urbano celetista e não doméstico. E a razão disto é justamente a falta da relação de familiaridade ou convivialidade intrínseca entre os condôminos. Em termos técnicos, falta-lhes a affectio societatis. 
O mesmo se dá, inclusive, com o condomínio de fato, aquele constituído espontânea e irrefletidamente por moradores de um bairro ou rua que contratam o vigia do apito. 
Com relação à residencialidade, é também critério fundamental. Se o empregador não reside ali, tendo o local de trabalho outra função social distinta, não se trata de emprego doméstico. Atente-se, porém, que o empregador doméstico pode possuir mais de uma residência: não se exige aí a exclusividade.
O aspecto do residir é tão importante que permite relativizar até o elemento família. Ou, talvez melhor dito, permite compreender a familiaridade de modo mais amplo. Neste sentido, uma residência estudantili, na qual os discentes moram e convivem entre si, dividindo direitos e deveres, equipara-se ao lar tradicional. 
Difere, pois, do caso de uma pensão, na qual há até estudantes convivendo, muita vez criando laços afetivos com os donos do estabelecimento, mas na qual o labor dos funcionários da limpeza, da cozinha ou da vigilância, colaboram para a manutenção de uma atividade econômica. Com esta comparação, introduzimos o terceiro requisito: a ausência de finalidade não lucrativa na atividade. A cozinheira da pensão, ainda que as refeições não sejam comercializadas, exerce atividade lucrativa: o fato de ela cozinhar já está remunerado pelo estudante, assim como a limpeza diária ou semanal do seu quarto, a lavagem de roupas ou a vigilãncia pessoa ou dos bens, conforme o caso. 
Se é assim neste caso, não há o que se discutir em face de situações híbridas: é o caso da empregada doméstica que ajuda a sua patroa, autônoma, a preparar diuturnamente doces de aniversário. 
Note-se que o exercício de uma profissão tradicionalmente urbana, social, em âmbito doméstico, constituirá relação laboral doméstica se faltar a lucratividade: a enfermeira profissional que trabalhe como acompanhante residencial de idoso, em caráter habitual e assalariado, será empregada doméstica. 

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