O primado da contemplação no pensamento europeu medieval

Na introdução ao seu estudo magistral sobre o intelectualismo da filosofia de Tomás de Aquino, Pierre Rousselot enuncia uma observação luminosa para uma adequada diferenciação entre os modos de acesso pensante à realidade da Antiguidade helênica, do medievo europeu e da modernidade ocidental. Para ele, a nota comum ao pensamento daquela etapa da História da Filosofia consiste no primado da contemplação, que ele distingue e opõe, sem detalhar, ao que chamou de "universal explicabilidade" e de "vida conforme o discurso", as quais correspondem, respectivamente, à Modernidade cientificista e sua pretensão de total explicação do real, e Antiguidade Helênica, com sua vida pautada pelo Logos, em diversos modos e graus.  



O pensamento medieval é norteado pela idéia de contemplação em diversos niveis, em diversas formas para cada fase e para cada pensador. A própria noção ou palavra possui uma origem religiosa: contemplare significava inicialmente uma atitude religiosa interior a um templo (cum-templare), antes de ser empregada como correlato latino da palavra grega theoria. Porém, mesmo esta última traz consigo um radical comum às palavras Deus (theos) e visão (theo), aludindo conjuntamente a ambos como uma atenção demorada às coisas divinas.



Neste tom, a contemplação para os medievais ora se dirige à verdade revelada, ora ao Deus que a revela; ora à realidade espiritual como um todo, ora sobre aquilo que constitua matéria de dogma; ora se identifica com uma forma elevada de pensamento, ora se confunde com a própria fé. Em todos estes casos, a referência principal consiste na noção mais lata de vita contemplativa, de atividade inlectual isolada da atuação direta no mundo, para a qual justamente foram erigidas as diversas formas de vida monástica.



Uma outra prova da importância da contemplação neste momento reside nas diversas classificações das artes ou saberes, todas encimadas por matérias de índole teorética.



Com base nestes elementos, é possível perceber a importância desta noção como eixo norteador do pensamento medieval. Isto não impede, por um lado, que haja espaço para a valorização de outras formas do modus cogitandi, nem que alguma dentre elas seja defendida em preferência ao contemplare. Porém, sempre se há de levar em conta a essencialidade deste último, como indício de uma dimensão espiritual (não necessariamente religiosa, nem teísta) que não encontra suficiente eco ou tematização adequada na civilização eletrônica do presente.

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