Realismo em Hegel, idealismo em Marx? - Parte I (Introdução)

O pensamento dualista, hábito já de há muito enraizado nos (amiúde infiéis) amantes da Sophia, costuma irromper e corromper os discursos filosóficos (e os que se pretendem tais), não apenas no campo penumbroso dos conceitos, sempre passíveis de discussão, mas também na zona ainda mais obscura das imagens, representações e estereótipos, que sobrepairam e subjazem a “Planície de Aletheia” antes mesmo que Parmênides a inventasse em seu ‘poema’.

         Se é verdade que, como diz Hegel, a Filosofia é “o mundo às avessas”, o dualismo se fez verbo e carne desde que o mundo é mundo: contrapõe-se o risonho Demócrito ao choroso Heráclito, o celeste Platão ao terreno Aristóteles, o mundano Leibniz ao recluso Spinoza.

Porém, uma das mais candentes polarizações pseudo-conceituais, que se derrama para muito além dos manuais de história da filosofia, é aquela que opõe Hegel e Marx, como os arquétipos respectivos do idealista e do realista, do teórico e do prático, do conservador e do revolucionário.

Por mais que haja (não poucos) elementos de acerto em análises deste tipo, o fato é que ambos os filósofos oscilaram, aqui e ali, entre o Ártico e o Antártico – como sói acontecer com todo(a) autêntico(a) pensador(a). O próprio Marx se dizia “não-marxista”, e quem leu com alguma atenção o Prefácio ao Sistema da Ciência (que encabeça a Fenomenologia do Espírito) percebeu que Hegel não seria hegeliano – ao menos, como o disseram ser os “da esquerda” e os “da direita”.

Assim, para fazer Justiça a estes dois homens de idéias (e de ação), buscar-se-á, neste estudo, fazer um brevíssimo contraponto a este modo tradicional de enquadrar o filósofo de Iena e o da Baviera. Tentar-se-á apontar alguns rasgos realistas (e futuristas) penetrantes, no pensamento de Hegel, bem como se indicará algumas ilusões idealistas (e ingenuamente racionalistas) do arguto percurso pensante de Marx.

Aliás, esta empreitada há de encontrar justificativa no seio dos próprios horizontes de pensamento a serem investigados. Com Hegel, se aprende que a crítica de uma representação (vorstellung) é a melhor maneira de se aproximar da verdadeira compreensão conceitual da realidade. E, com Marx, se percebe que a crítica da Ideologia (e sua correlata simbologia) é o melhor meio de se avizinhar de uma compreensão crítica do fenômeno em análise. 

Parte II: http://paragensfilosoficas.blogspot.com.br/2013/09/realismo-em-hegel-idealismo-em-marx.html