Livro dos Espíritos. Introdução. 1. A distinção ontológica entre espiritismo e espiritualismo

Allan Kardec inicia a sua introdução ao estudo da doutrina espírita, efetuando uma diferenciação entre o Espiritismo e o Espiritualismo em geral.

No espiritualismo em geral, se incluiriam todas as doutrinas que professassem a existência do elemento espiritual – no limite, até mesmo aquelas que admitam a sua dissolução ou aniquilamento com a morte corporal.

Esta designação, portanto, seria insuficiente para caracterizar a doutrina ensinada pelos espíritos, a qual constitui um espiritualismo em sentido forte, uma vez que admite a existência e sobrexistência do espírito.

 Entretanto, até mesmo no subgrupo das doutrinas espiritualistas que poderíamos chamar, neste sentido específico, de sobrexistencialistas, o Espiritismo se particulariza, uma vez mais, pela admissão de um postulado fundamental: a ampla comunicabilidade com os espíritos desencarnados. Isto o torna distinguível, neste particular, tanto das doutrinas espiritualistas que não admitam a comunicabilidade, quanto daqueloutras que o aceitem somente em ocasiões especiais, seja por conta da intervenção da graça ou do favor sobrenatural (por ação do comunicante), seja em virtude da posse de faculdades especiais (por capacidade do receptor).
 
A bem da verdade, mesmo que a distinção fosse secundária, a adoção de uma terminologia especial mostrar-se-ia adequada. O próprio Kardec justifica a escolha do termo espiritismo, evocando o ideal de clareza da linguagem.

Porém, observe-se que o distanciamento do espiritismo em face dos sistemas espiritualistas então vigentes ocorre não somente ao nível dos métodos ou das conclusões, dos meios ou dos fins, mas no terreno dos postulados, ou seja, dos princípios. Trata-se de uma distinção ontológica: a doutrina espírita apresenta, logo de saída, uma nova doutrina do ser, que versa sobre a natureza da realidade em geral, e, nesta, da dimensão ontológica espiritual e do ente em especial chamado espírito. Não por acaso, Kardec inicia as suas considerações introdutórias afirmando, com elogiável bom-senso: “para coisas novas, são necessárias palavras novas”. Esta nova coisa é uma nova ontologia, ou, como ele mesmo dirá adiante, uma nova filosofia espiritualista.

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