Conceitos Fundamentais da Metafísica - 1ª Parte. 8. Tonalidade Afetiva, modo fundamental do Ser-aí ou Dasein

 O §17 de Conceitos Fundamentais da Metafísica possui um título extenso e um pouco abstruso: “Caracterização prévia do fenômeno da tonalidade afetiva: tonalidade afetiva enquanto o modo fundamental do ser aí, enquanto o que dota o ser-aí de consistência e possibilidade. O Despertar da tonalidade afetiva enquanto apreensão do ser-aí enquanto ser-aí. Nele, apresentam-se trés teses a reclamar exposição sucessiva.

O que há em comum com as três teses? Há o fato de que todas elas aparecem já numa caracterização prévia do fenômeno das TA. Isto significa que não é preciso esperar por uma análise temática mais detalhada, mais explícita, para que se perceba estas propriedades fundamentais das TA.

Em primeiro lugar: TA enquanto o modo fundamental do ser-aí. Algumas consequências se implicam desta afirmação, logo de cara. Primeiro: há outros modos do ser-aí. Segundo: a TA é fundamental em relação a eles. Como compreender esta tese?

Heidegger inicia por um exemplo: um homem que se tornou triste. O que acontece com ele, e em relação a nós? Em si mesmo, ele é o mesmo, permanece onticamente inalterado. Ontologicamente, porém, ele se torna praticamente inacessível – tanto a nós, quanto, inclusive, a si mesmo. Mais ainda: se torna inacessível mesmo na presença mais frequente, na convivência mais assídua.

E o que acontece conosco, diante da sua inacessibilidade? Ele nos traz para seu modo ou tom, sem que entristeçamos necessariamente. Nosso co-existir com ele, nosso ser-com (Mitsein), se modifica inteiramente, mesmo que permaneçamos na alegria mais esfuziante.

Por fim: o que acontece com o mundo, enquanto horizonte ontológico no qual ele está lançado? A tristeza é algo apenas subjetivo, pessoal, interno, psíquico ou anímico? Não afeta ou modifica em nada a sua constituição fundamental de ser-no-mundo?

Modifica sim. Segundo Heidegger, a tristeza não está na alma dele, nem na nossa. Está sobre todas as coisas, no mundo aberto para aquele homem.

Dito isto, se esclarece algo primordial sobre a TA: ela não é um ente que advém na alma como vivência (ainda que suscite ou seja acompanhada por uma série delas, inevitavelmente). Ela não é o quid vivido, mas o como de nosso ser-aí, o seu modo fundamental. O tradutor clarifica: ela é 'a totalidade dos acontecimentos', o 'astral'.

Não sendo um ente que advém na alma, a TA não é um simplesmente dado, como já se disse no texto anterior. Não consiste em manifestações paralelas (prazeres, dores, lembranças) que se evolam continuamente, mas aquilo que determina, desde o princípio, a convivência.

Diz Heidegger: a TA é um jeito do ser-aí e do ser-fora. E aduz uma alegoria para elucidar: jeito, mas não como um padrão ou forma modal, mas como uma melodia, que não paira sobre o Dasein ou ser-aí, mas que lhe fornece o tom, a afina, e diz o modo e o como de seu ser.

Ao contrário da vivência, sempre efêmera e fugidia, ela é, por tanto, um jeito originário, no qual todo ser-aí é como ele é, que lhe dá consistência (ele é desse jeito) e possibilidade (ele tem diante de si tais e tais possibilidades projetadas porque ele é desse jeito).

Este como ou jeito não é efeito do eu ou manifestação do nosso pensar, agir ou não agir, mas o pressuposto ou meio no qual primeiramente o pensar acontece e a partir do qual a ação transcorre.

Todavia, pode parecer que nem sempre estamos afinados, tomados por uma TA. Isto, porém, é uma aparência. As TA que não atentamos de forma alguma, e que observamos ainda menos, são as que nos afinam de tal modo que isto se dá como se nenhuma TA estivesse aí, como se não estivéssemos absolutamente afinados. São as mais poderosas.

De início e na maioria das vezes, só certas TA nos tocam, em regra, as que irrompem rumo a extremos: alegria, tristeza. Menos apreensíveis são um certo temor, ou uma satisfação que se espraia longamente. E, sobretudo, o não-estar-afinado (hoje diríamos: algo próximo do blasè), que não é nem bom humor nem mau humor, mas que não é indiferença, é das mais tenazes, embora (por isto mesmo) das mais difíceis de apreender.


As TA não surgem ou desaparecem num suposto espaço vazio prévio da alma: elas se sucedem. O ser-aí nunca está desprovido de TA, pois que esta é-lhe o modo fundamental. Todavia, como só costumamos notá-las no rompante de seu aparecer ostensivo, a tomamos como eventos que vêm e que se dissipam.  

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