O conceito de condição transcendental

O conceito de condição transcendental ou condição de possibilidade é crucial para o entendimento do projeto Kantiano de uma crítica do conhecimento. Para bem compreendê-lo, é necessário distingui-lo de outras espécies do gênero condição, o que exige, por seu turno, uma meditação preliminar a respeito do conceito desta.



A princípio, todo elemento (ente, fenômeno, conceito, etc) que seja antecedente a um outro elemento, e que responda, de alguma forma, por alguma propriedade ou circunstância deste último pode ser denominado condição. A condição, portanto, é um antecedente do qual o consequente decorre necessariamente, de alguma maneira. A causa, por exemplo, é uma condição do efeito: uma condição suficiente, bastante para garantir a ocorrência deste outro, o efeito.



Entretanto, nem toda condição é condição da existência ou da ocorrência; nem toda condição é condição suficiente. Há condições sem as quais o consequente não ocorre, mas que não bastam para provocá-lo: terra, água, luz e ar são condições imprescindíveis para o brotar da semente; mas requerem a presença da semeadura, condição fundamental para que aqueloutras possam atuar e realizar seu papel. Estas condições insuficientes são chamadas condições necessárias.



Mas note-se que se trata de uma simplificação linguística: toda condição é necessária ao seu condicionado, de modo que a distinção verdadeira se dá entre a condição necessária, mas insuficiente, e a condição necessária e suficiente.



Pela razão acima exposta, a condição (apenas) necessária é normalmente apresentada como condição negativa, isto é, como condição cuja ausência ou não-satisfação impermite a ocorrência do efeito. A condição suficiente, por seu turno, é denominada como condição positiva, condição cuja presença assegura a consequência.



A condição necessária ou negativa costuma também ser chamada de conditio sine qua non (condição “sem a qual não” ocorre o condicionado), ao passo que a condição positiva ou suficiente recebe o título de conditio per quam (condição “pela qual” ocorre o condicionado).



Com base nestas distinções, fica mais claro o estatuto da condição transcendental de Kant. Ela não é uma condição suficiente, pois não é uma condição de ocorrência ou de existência, mas de possibilidade. Ela é, portanto, uma condição necessária, que concorre para a realização da coisa (no caso de Kant, da coisa chamada conhecimento), mas não basta para assegurá-la.



Vejamos o que diz o próprio Kant:



“Chamo transcendental ao conhecimento que se ocupa em geral não com os objetos, mas com o modo de conhecê-los, na na medida em que este deve ser possível a priori” (Crítica da Razão Pura, B, 25). Nesta definição, alguns elementos se destacam:



a) O conhecimento transcendental não diz respeito aos objetos, mas ao modo de conhecê-los, ou seja, ao conhecimento (é um conhecimento do conhecimento);



b) Ele não se refere a todo e qualquer conhecimento do objeto, mas ao conhecimento da possibilidade do objeto, deixando em suspenso a averiguação da ocorrência ou não ocorrência do objeto;



c) Ele não alude a qualquer possibilidade, mas a uma possibilidade a priori. A priori é uma expressão crucial da terminologia kantiana, que pode ser apreendida, preliminarmente, como “independente da experiência”: algo que tem prioridade ontológica e anterioridade lógica, que não necessita da experiência: por exemplo, não é necessário fazer o experimento da contagem a todo instante para saber se 2+2 será igual a 4 na próxima ocasião em que eu fizer a soma. Aquilo que necessite de verificação empírica, ou que se origina dela, é por ele denominado a posteriori.



Abstraindo-se, momentaneamente, o fato de que Kant está a tratar do conhecimento, isto é, atentando unicamente parado a elucidação do conceito de transcendental, algumas observações podem ser ajuntadas. O triplo recuo kantiano, do objeto para o modo, da realidade para a possibilidade e do a posteriori para o a priori significa, precisamente, um triplo recuo do condicionado para a condição, da condição suficiente para a necessária e da condição positiva para a negativa.


A razão para este recuo metodológico kantiano é bastante simples. As ciências já cuidam dos objetos e dos fenômenos. Já cuidam, também das condições positivas de uns e outros, ou seja, das causas. Já cuidam da condição suficiente de todo conhecimento científico, que é a verificação (por experiência ou por demonstração).


Faltava cuidar das condições necessárias do conhecer, portanto. A eles não fazia falta uma tal apreciação, em razão da máxima do bom-senso que assegura: quem possui o mais, possui o menos; neste caso, quem possui as condições suficientes, possui as necessárias. Mas, para Kant, havia um campo do conhecimento que, além de não dispor de condições suficientes para conhecer seus objetos, carecia, inclusive, de determinar as condições necessárias dos mesmos: a Metafísica.



Em todo caso, o conceito de transcendental foi aplicado para outros usos alheios ao problema do conhecimento. Toda vez em que se trata de elucidar uma condição necessária de possibilidade, o filósofo pode se socorrer da denominação transcendental, que já se tornou patrimônio comum da República das Idéias.

3 comentários:

Anônimo disse...

Muitíssimo obrigado!!! Simples e claro, ajudou bastante!!! Parabéns!!!

Hayley Williams disse...

Muito bom

Anônimo disse...

Simples e eficaz, parabéns. Ajudou-me a compreender um capítulo específico de Teoria Geral do Direito e do Estado de Hans Kelsen