Discípulo de Tales, Anaximandro
nasceu por volta de 610 a.c., e morreu no mesmo período que o seu mestre.
Também astrônomo, lhe são atribuídos feitos como a invenção do relógio de sol
(gnomon), o estabelecimento do zodíaco seguido até hoje, as primeiras medições
de distâncias entre estrelas e cálculos de suas magnitudes, e a confecção de um
mapa do mundo habitado. Propôs que a vida surgiu na água, e que aos poucos, os
animais conseguiram passar à terra, tendo o homem surgido a partir do peixe.
Também foi político influente, tendo liderado a expedição que emigrou de Mileto
para a Apolônia, para lá fundar uma cidade. A descoberta arqueológica recente
de uma estátua aponta que ele era um herói local. Deixou um livro, “Sobre a
Natureza” , primeira obra filosófica, que se perdeu.
Seguindo a mesma tendência
de Tales em procurar uma ordem comum para o mundo natural e humano, Anaximandro
dará um grande passo adiante em relação ao seu mestre. Sua tese principal é
esta: a Physis, ou seja, a realidade oculta das coisas, é “Arché”. Arché, em
grego, significa princípio, origem, matriz, lei. De arché derivam as palavras
“arcaico”, “arquétipo”, “monarquia” (mono-archia), todas com o sentido de algo
originário, fundamental, que rege. Anaximandro dirá que esta Physis-Archè, ou
seja este princípio oculto, é uma Lei de Destino e Justiça (em grego “Moira” e
“Diké”). Para que se entenda a grande revolução efetuada por Anaximandro
perante Tales, podemos ilustrar com o seguinte exemplo: a alma pode ser
considerado a Physis do corpo físico (e o foi, tempos depois): aquilo que é oculto, mas garante a
conservação e funcionamento. Já a Arché proposta por Anaximandro está para o
mundo natural como o espírito está para o corpo físico e para a alma: é uma realidade também oculta e que se expressa naqueles dois,
mais que os ultrapassa em magnitude e constitui-se em uma realidade outra,
paralela, totalmente diferente, como princípio inteligente distinto do
princípio vital, embora a ele relacionado.
Partindo desta idéia,
Anaximandro chega à conclusão de que o princípio das coisas não pode ser a
água, nem qualquer coisa que se manifeste fenomenicamente no mundo natural,
pois tudo o que existe, possui um oposto, e o elemento úmido de Tales possui
como oposto o seco. E ele vai mais
longe: tudo que surge, ou seja tudo o que vem a ser como fenômeno, está fadado
pela Lei do Destino e da Justiça a desaparecer. Portanto, o princípio de tudo
em geral não pode ser nada em particular, pois tudo que existe tem uma
qualidade, e toda qualidade tem seu oposto. Mas então, qual é esse princípio?
Anaximandro chega a uma
grandiosa conclusão: se o princípio das coisas não pode ter qualquer qualidade,
determinação, ou limite, que os gregos chamam de “péras”, ele é o A-peiron,
isto é, o In-finito, In-determinado, I-limitado. Mas, como é que o Infinito ou
Indeterminado oculto gera as coisas determinadas, como o princípio oculto gera
as manifestações no plano dos fenômenos? Anaximandro diz que isto se da através
de seu movimento infinito e cíclico, o qual faz surgir e desaparecer infinitos
mundos ou universos (kosmos) com seus fenômenos e opostos, eternamente.
Há, ainda, um importante
detalhe: como o Apeíron ou Infinito é a própria Lei de Destino e Justiça, todo
ser finito é, por ser limitado, injusto. Todo dualismo entre opostos é uma
forma de luta, e pois, de injustiça de modo que a Justiça é a pacificação dos
opostos no Infinito, sua reintegração neste. Por isso, todo nascimento é também
uma injustiça, a ser expiada com o futuro aniquilamento, numa espécie de versão
grega do pecado original, talvez inspirada no orfismo, que considerava a queda
do espírito na matéria uma expiação. O Apeíron, em si mesmo não nasce nem
envelhece: é sempre jovem, intrigante afirmação que Lao-Tsé fizera a respeito
do Tao, o qual, aliás, lembra o Apeiron.
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