Talvez não seja por acaso que
João Evangelista, que escreveu em grego, e que tinha ligações estreitas com a
cidade de Éfeso (uma das sete cidades
citadas no início do Apocalipse), tenha escolhido a seguinte palavra para começar o
seu Evangelho: “en arché en ho Logos”, que significa justamente: “No Princípio
era o Logos” (Logos em latim é Verbo).
Não é necessário que João tenha
conhecido o pensamento de Heráclito de Éfeso para o ter feito, embora seja plenamente admissível
por se tratar de um homem culto (ou melhor, de um homem que se tornou culto, como o seu evangelho cheio de observações históricas e explicações de leis demonstra).
Importa notar, antes de tudo, que a mesma intuição que
guiou o pensamento de Heráclito enquadrou o prólogo de João ao evangelho.
Para Heráclito, se o Logos que
revela a Physis se manifesta no pensamento, que é o princípio essencial do
homem (ou seja, a sua arché), é forçoso concluir que o revelar-se da Physis
através do Logos não é uma mera façanha do pensamento, mas a própria estrutura
da realidade. Equivale, aproximadamente ao que o Evangelista diz quando afirma:
“O Verbo estava em Deus, e o Verbo era Deus”, ou seja, que o Logos que revela a
Physis, que para João é Theos (Deus), não é como que algo exterior ao Theos
(Deus), mas algo próprio ao Deus como tal, ou seja, o divino poder criador de
fazer com que as coisas venham ao mundo, passem a existir.
Assim sendo, o Logos é
colocado por Heráclito como o princípio de toda a realidade (e não apenas do
homem), em substituição à Physis, que passa a ser, ela própria, um algo que
surge e desaparece fenomenicamente através do Logos. Isto é uma revolução em
relação ao pensamento Jônico anterior, pois este se baseava na idéia de que uma
Physis imutável estava oculta em toda mudança ou fenômeno. Em termos práticos,
o que isto significa? Significa que, se o surgir e perecer eram antes
concebidos como fenômenos que diziam respeito apenas às coisas, não afetando à
Physis ou princípio oculto que há nelas, agora é a própria realidade oculta que
ora se torna manifesta, ora se oculta, neste incessante nascer e perecer das
coisas no mundo. Isto talvez corresponda à famosa sentença de João: “e o Logos
se fez carne e habitou entre nós”., com a única diferença que o Logos Divino só
se manifestou para João em Jesus, ao passo que o Logos do kosmo (mundo) se
manifesta para Heráclito no pensamento e nos fenômenos.
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