Fazer o inventário
das diversas concepções do termo alma, na história da
humanidade, seria tarefa espinhosa e mesmo impraticável. Não
obstante, é possível salientar alguns pontos principais, a partir
de uma seleção condizente com os propósitos do estudo filosófico
do LE.
Neste sentido, é
interessante que se colha material em fontes espiritualistas as mais
variadas, não somente na História da Filosofia, mas também no
espiritualismo de índole mística ou mesmo religiosa.
O primeiro horizonte
civilizatório espiritualista crucial para o Ocidente, tal como ele
veio a se desenrolar historicamente, foi decerto o mundo helênico.
Formado por troncos étnicos heterogêneos (éolico, dórico,
jônico), com componentes culturais os mais diversos, do matriarcal
ao patriarcal, do nomadismo ao sedentarismo, do eixo
agrícola-pastoril ao comercial e marítimo, eis que o povo grego
herdou e reelaborou uma complexa visão de mundo na qual se verifica
um espiritualismo de índole multifacetada.
A princípio, note-se
que os gregos, nos chamados séculos de fundação, estavam próximos
daquilo que hoje se chama de panpsiquismo, isto é, da ideia
de que toda a realidade possui um princípio mental imanente, aquilo
que hoje denominaríamos uma consciência subjacente, ficando
em aberto decidir se um tal elemento tinha ou não natureza
espiritual.
Este panpsiquismo
oscilava, desde a concepção mitológica de Gaia ou
Geia, uma espécie de
“Alma do Mundo” (a Terra enquanto esposa de Urano, o
céu), indo até à tese da existência de uma certa individualidade
psíquica em cada ente ou coisa: tudo está cheios de
“deuses”, dizia Tales de
Mileto.
Além disso,
observe-se que, paralelamente, havia uma certo vitalismo nesta
concepção de mundo, ou seja, havia a crença de que toda a
realidade estava, de algum modo, viva, permeada por um princípio
vital.
Veja-se que princípio
vital é, justamente, uma daquelas acepções do termo alma
encontradas por Allan Kardec em sua apuração preliminar da
questão na introdução ao LE. Ela condiz com o étimo da palavra
anima (psyche, em grego), que alude às ideias de
hálito, alento, vitalidade. Alma, nesta perspectiva, é aquilo
que anima, que torna um corpo animado, isto é, capaz de
movimento espontâneo, autônomo, em contraste com o objeto inerte,
movido por ação de agente ou força externos.
A completar este
quadro, registre-se que havia um efetivo espiritualismo nesta
visão de mundo, isto é, uma crença de que a realidade possuía um
princípio espiritual imanente, variando as concepções
acerca do modo pelo qual este se articularia com os elementos
psíquico e vital, não faltando quem o visse identificado ou mesmo
reduzido a um daqueles dois.
Lembre-se, porém, que
a noção de espírito era abrangida pela palavra pneuma, a
qual originalmente significa “ar, sopro, vento”, tal como
expressa bem o correlato latino spiritus.
Aliás, duas
observações merecem aqui ser postas em realce:
a) As ideias de alma
e espírito possuem uma referência metafórica comum (a ideia de
ar, sopro, alento, vento), embora com inflexões diferentes;
b) Esta proximidade, e
no entanto distinção, se repete em diversas línguas, por exemplo:
no grego (pneuma e psyche), no latim (spiritus e
anima), no hebraico (ruah e nepesh)
Obviamente, deste pano
de fundo relativamente penumbroso, eis que se desdobram ideias mais
precisas e visões mais particularizadas, cuja descrição indicativa
será feita nos próximos estudos.
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