Pitágoras: do número à Unidade.


     Do grande Pitágoras, pouco se sabe. No entanto, pela enorme quantidade de ilustres discípulos, pela duração da sua escola após sua morte, e pela influência que exerceu séculos depois em homens como Platão e Aristóteles, bem se pode mensurar a sua importância, mesmo com a oposição crítica de homens como Heráclito. 

     Contam seus contemporâneos que ele, tendo ido ao Egito aprender os mistérios com os sacerdotes de Osíris, estes, em menos de um ano se negaram a ensiná-lo e o declararam mestre. A ordem Pitagórica praticava os mistérios de Orfeu, e admitia a imortalidade da Alma, a pluralidade das existências, a lei de causa e efeito (a metempsicose popular, com a reencarnação do homem em animal, é derivação espúria), e  ainda, a idéia de encarnação como expiação culposa. 

     Relatos falam de uma organização solene, como imensa rigidez hierárquica, e práticas religiosas, mas também dedicada à matemática, à medicina, à musica e a outras artes e técnicas. Também foi grande a sua influência política, tendo sido o próprio Pitágoras perseguido. Sua escola foi destruída, e seus discípulos se espalharam por todo o mundo helênico, difundindo as doutrinas. Hoje em dia, é muito  difícil discernir quais as doutrinas foram propostas por Pitágoras, e quais delas são acréscimos de discípulos. Por isso, fala-se na doutrina dos pitagóricos, no plural.
  
     Como Anaximandro, os Pitagóricos não viam razão para que o princípio das coisas se parecesse mais com um elemento do que com outro. Afirmarão, portanto, que o Princípio que governa todas as coisas não pode ser uma força ou elemento, nada que seja fenomênico, mas sim algo absolutamente racional, como a Lei de Anaximandro. Esse algo, para eles, é o Número. O princípio só pode ser unificador se ele próprio for a Unidade. É importante lembrar que, para eles, só a Unidade é um número verdadeiro, originário; os demais se formam a partir dela por divisões; ou seja, todos os números participam da unidade, existem nela. A unidade é o Apeíron (Ilimitado, Infinito), e os demais números são “péras”(limites, secções).

     A escola pitagórica explicava assim a formação do mundo através dos números: o um gera o ponto, o dois gera a linha, o três a superfície, e o quatro o volume. O conjunto destes quatro números (1,2,3,4) é chamado Tetratkys, e era considerado sagrado pelos Pitagóricos, que chegavam a jurar diante dela. A Década (que resulta da soma da Tetratkys: 1+2+3+4 ), era outro número sagrado, pois além disso incluía todos os números verdadeiros (de 0 a 9). Eles também separaram o par e o impar, como representações da identidade e diferença, e a eles associaram inúmeros opostos, como: dia/noite, macho/fêmea, etc.

     Para os Pitagóricos, todos os opostos estão em Harmonia, pois estão na Unidade, que é a própria Harmonia. O bem é a presença desta Divina Harmonia e Unidade em todas as coisas. O mal é a sua ausência ou perturbação. E, provavelmente para Pitágoras, era justamente aí que a matemática se mostrava como elemento importante na purificação espiritual do homem: pela contemplação dos números, e pela descoberta das relações numéricas profundas que governam o mundo, o homem poderia se ajustar a elas, parando de criar desarmonia, e assim, libertando-se das teias de Moira (verão grega do Karma). Além disso, a contemplação dos números, realidades espirituais, libertaria o homem do mundo sensível dos instintos e das paixões, tornando mais leve a sua alma.  
 
     É possível que grande parte desse misticismo numérico provenha de deturpações do pitagorismo original. Em todo caso, eles desenvolveram bastante a aritmética, a geometria, a música, e muitos outros conhecimentos. Mas também enfrentaram muitas crises e impasses, que aliás, foram altamente construtivos. O mais famoso foi um paradoxo descoberto no próprio teorema de Pitágoras: se um triângulo retângulo tiver seus dois catetos iguais a um, a hipotenusa será a raiz quadrada de dois, um número irracional - um escândalo para eles. E ainda: se as medidas da hipotenusas e dos catetos forem primos entre si, diz-se que um deles não poderá ser nem par nem ímpar. Enigmas à parte, o principal legado dos Pitagóricos foi o desenvolvimento da vertente racional e matemática do pensamento grego, assim como os Jônicos foram responsáveis pelo desenvolvimento do conhecimento da Natureza que hoje podemos chamar física e astronomia.  Além disso, eles são fundamentais para a sobrevivência do orfismo, que sem eles, se perderia nas brumas da fantasia e superstição, e que é outro pilar de sustentação da sabedoria grega.

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