Tales de Mileto: a Água como Physis de todas as coisas

       Segundo uma tradição da própria Grécia Antiga, Tales foi o primeiro filósofo. Ele viveu entre o final do século VII  a.c. e a metade do século VI a.c. Diz-se que viajou ao Egito, tendo lá permanecido por longo tempo. Importante matemático, a ele é atribuído o famoso teorema a respeito da semelhança de triângulos, e diz-se até que ele teria calculado a altura das pirâmides através de suas sombras, mediante este recurso, para espanto dos egípcios. Por isso, é considerado o fundador da geometria abstrata, que é um desenvolvimento grego das técnicas empíricas da agrimensura dos egípcios. Exímio astrônomo, previu o eclipse de 585 a.c., além de sugerir a estrela Ursa maior (quase-fixa no céu), para a navegação. Afirmou que a lua era iluminada pelo sol, e 720 vezes menor que este. Além disso, é considerado o inventor da semana.

       Aristóteles conta que Tales, certa vez, ridicularizado a respeito da inutilidade da sabedoria, fez o seguinte: prevendo astronomicamente que haveria uma grande safra na próxima estação, alugou todos os celeiros da cidade com longa antecipação. Vindo a safra, todos precisaram de armazenar o imenso excedente não comercializado. Mas, como todos os celeiros  de Mileto estavam alugados a Tales, todos os proprietários tiveram que sub-locar seus próprios depósitos junto a ele, por um preço muito maior do que o pago pelo próprio Tales junto a eles tempos antes, para então poderem usá-los. Tales então lhes disse que, embora a sabedoria muito sirva às coisas mundanas, a ambição do sábio é outra.

       Embora possuísse grandes conhecimentos que hoje classificamos como científicos, Tales colocava a sabedoria como algo para além destes, como algo oculto ao entendimento comum. Este algo oculto recebeu dos gregos vários nomes, cujo sentido se alterou na história, até chegar a nós, sobretudo nas traduções dos antigos Romanos. Tales chamou esta realidade oculta de “physis”, origem dos termos “físico”, “física”. Mas, enquanto o físico para nós tem o significado de concreto, sensível, visível, a Physis significava precisamente o que se esconde atrás do fenômeno. Hoje, o cientista busca descrever o fenômeno, a manifestação, e dizer-lhe a lei. Tales contudo, que conhecia muito sobre os fenômenos da terra e dos céus, buscava o segredo que estava por trás deles. 

       A grande tese que Tales formulou, e que é considerada a primeira tese filosófica é esta: a Água é a Physis, a realidade íntima de todos os fenômenos. Esta afirmação é muito distinta de uma hipótese científica, como seria o caso se ele dissesse: a terra vem da água, ou o ar é água rarefeita. A Água, para Tales, abrange toda a realidade do Ser, e muitos seriam os exemplos. O sêmen dos animais e a semente das plantas são úmidos. O corpo vivo se transforma em cadáver ósseo pelo ressecamento. Os povos surgem ao redor dos mares e dos rios. A água desce dos céus e surge, rasgando, do seio d terra.  E, em seu apoio, está o fato de que Homero e Hesíodo já haviam dito que todas as coisas vieram de Oceano e Tétis, divindades aquáticas.

       Hoje em dia, muito se discute sobre o que Tales realmente quis dizer com sua afirmação de que a água é o princípio oculto de todas as coisas. Mas, o mais importante é perceber a natureza do pensamento filosófico, que consiste em antecipar-se intuitivamente àquilo que a observação só posteriormente poderá confirmar. Esta é a mesma atitude de Einstein, de aguardar tranqüilamente que a evolução instrumental da física viesse a confirmar empiricamente o que ele já sabia por via intuitiva. E toda grande intuição tem por conteúdo uma espécie de Physis, uma unidade oculta por trás da multiplicidade aparentemente caótica dos fenômenos. Aliás, o sentido da unidade era tão presente em Tales que ele, que também foi um Político de imensa relevância em sua época, foi o primeiro a sugerir a união das diversas Cidades-Estado gregas em uma Confederação.

       Frases célebres de Tales: a) “Conhece-te a ti mesmo”; b) “De todos os seres, o mais antigo é deus, que não foi criado; o maior é o espaço, que tudo contém; o mais rápido é o espírito, que sopra por toda parte; o mais forte é a necessidade, que triunfa sobre tudo; o mais sábio é o tempo, que tudo descobre”.