Embora a
guilhotina hoje nos pareça um mecanismo cruel de extirpação da
vida, tal não era a impressão dos seus contemporâneos, nem fora a
intenção do seu propositor. Sua finalidade era implicar a imediata
supressão da vida, de modo a não permitir intervalo de tempo para a
percepção da dor pelo condenado. Em suma, o objetivo era matar sem
provocar sofrimento.
Para
Foucault, a concepção e a implantação de tal mecanismo não se
explicam unicamente pelo humanismo penal – movimento ideológico
efetivamente existente no século XVIII. Para ele, é a mudança na
concepção de homem que entra em jogo aí, com a noção de
indivíduo.
O
indivíduo é um sujeito singular, absolutamente distinto dos demais.
Não se define por sua pertença à comunidade. Nem se compreende, a
princípio, como uma síntese de alma e corpo. Ele é uma unidade, um
sujeito, uma singularidade. Uma consciência. Uma alma, pura e
simplesmente.
Com
isto, a punição do corpo perde importância. Primeiro, porque o
corpo é o que nos iguala a todos os animais. Segundo, porque o corpo
é o que nos iguala a todos os outros homens. Punir o corpo significa
punir de maneira geral, indiferenciada, criaturas que são
singulares. Indivíduos.
Para
Foucault, esta é a verdadeira chave da transição dos modelos
punitivos do século XVIII para o XIX.
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