O Corpo dos Condenados - A privacidade da pena como consequência do individualismo moderno



No século XIX, deixa de ocorrer o flagelo público no direito europeu. Mas não é só a punição que é arrancada ao olhar do povo. O sujeito condenado também. A prisão se torna agora um lugar à parte da sociedade.

A consolidação do caráter privado da pena coincide com a afirmação do indivíduo na sociedade moderna. Trata-se de algo que agora só lhe diz respeito, e a mais ninguém.

Antes, como o sujeito se definia pela sua pertença aos grupos familiar, religioso, à cidade, ao reino, ao ofício, fazia sentido que a pena se desenrolasse diante do contexto deste existir comunitário. Contudo, quando a sociedade moderna passa a reconhecer o indivíduo como tal, como sujeito autônomo, como ente singular, a perspectiva deve se modificar completamente.

Não se trata mais da relação entre a comunidade e aquele sujeito que feriu alguma de suas normas mais cruciais. Agora, é a relação direta entre o Estado e o indivíduo.

Aliás, é somente com a noção de indivíduo que uma idéia hoje tão evidente quanto a da pessoalidade da pena, isto é, a de que a punição não deve ultrapassar a pessoa daquele que praticou o crime, pôde enfim se instaurar.


Antes disto, costumava-se punir toda a família do autor de um crime bárbaro ou escandaloso. Chegava-se até a incendiar a casa de um suicida, por exemplo. (Aliás, a própria consideração do suicídio como crime é uma expressão cultural de uma época que não conhece ainda o âmbito individual como tal).  

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