A Filosofia de William James se deixa nomear pela alcunha de Pragmatismo. Com uma tal expressão, o senso comum (inclusive, sua fração semi-esclarecida que constitui o senso comum filosófico) entende uma doutrina que circunscreve a verdade ao âmbito da ação, conferindo-lhe um caráter instrumental. Uma verdade da práxis, prática, pragmática.
Por uma verdade pragmática, subentende-se algo como uma ideia chã, mundana, despida do solene manto da atemporalidade, e não mais incrustada na dura rocha do ser.
Esta impressão é pertinente. Possivelmente, James a endossaria. Ela é verdadeira como a face do cubo, que nos mostra uma verdade do cubo, mas não "a verdade do cubo".
Aliás, a própria compreensão vulgar acerca do pragmatismo, bem como a incompreensão obscurecedora dos que o prejulgam a partir de sua alcunha, são também, a seu modo, verdades pragmáticas. Se há uma coisa que o filósofo pragmatista não pode retrucar, é isto: o pragmatismo é justamente aquilo que fizermos dele. Não é por outra razão que eles tentaram (e tentam) fazê-lo do melhor modo possível. Do mais pragmático, decerto.
Sucede um problema, porém. Neste acepção preliminar, toda filosofia seria pragmatista, ao menos no requisito mínimo de implicar a conduta de filosofar. E mesmo a velha crença do mui prático Aristóteles, segundo a qual a Filosofia não serve para nada – as demais ativiades é que devem servir, oferece um critério prático de ação.
No entanto, a proposta de James vai além. Não se trata priorizar verdades que funcionem, em contraposição a inefetivas verdades especulativas. Ao contrário, para James, o critério de verdade é funcionar.
Este funcionar, contudo, não pode ser avaliado apenas no sentido minimalista de integrar um contexto funcional: as filosofias de gabinete atenderiam facilmente este critério. Para James, o verdadeiro critério pragmático é a capacidade de produzir resultados – ou, como James prefere, benefícios vitais.
E esta ressalva de James nos coloca no cerne da discussão terminológica, que talvez esteja no fundo do motivo da frequente incompreensão do Pragmatismo: a noção de Práxis. Na tradição filosófica ocidental, ela costuma aparecer numa tricotomia, ao lado de Theoria e Poiesis.
Por Theoria, entende-se a especulação pura, o pensamento voltado sobre si mesmo, destituído de finalidades imediatas. Por Poiesis, entende-se algo duplamente oposto a isto: não um pensar, mas um agir. Não algo destituído de finalidades, mas algo diretamente comprometido com um resultado, um efeito, uma obra.
Entre um e outro, entre Theoria e Poiesis, a Práxis costuma figurar como uma espécie de camaleão, com cores de uma e de outra de suas irmãs. Como a Praxis, ela se situa no campo do agir. Porém, como a Theoria, ela constituiria um fim em si mesma, estando desvinculada, a princípio, de finalidades externas.
Isto talvez explique a repulsa dos partidários de visões filosóficas tradicionais com relação ao pragmatismo – não às suas teses, mas à aura que o sobrepaira. O problema não está em admitir-se uma verdade subordinada à ação, mas em subordiná-la a uma ação autárquica, anárquica, anômica, uma ação, por sua vez, não subordinada a nada, não comprometida com nada, não engajada a nada.
Numa tal visão do problema, por exemplo, seria uma objeção ao pragmatismo a incapacidade de oferecer critérios subordinantes (éticos, metafísicos, religiosos, etc) à ação, uma vez que, na perspectiva do primado da ação, imagina-se que a pragmaticidade seria o meta-critério de aferição destas outras instâncias. Ou seja, tudo se passa como se o prático não necessitasse ser ético, estético, lícito, etc. Estes valores é que deveriam ser práticos, passar pela pedra de toque da ação.
Contudo, não é esta, decerto, a proposta de James. Para ele, trata-se de uma verdade vinculada a uma ação vinculada à produção de resultados – os tais benefícios vitais. Portanto, não se trata de um agir puro e simples, mas de um agir positivo, construtivo. Um agir criador. Uma Poiesis.
Um exemplo interessante disto pode ser encontrado na interpretação de James acerca da verdade religiosa. Nenhuma verdade, em tese, seria mais alheia ao critério pragmático do que aquela relacionada ao absoluto enquanto divino. Contudo, o pragmatismo também aí incidirá - não sobre as concepções de Deus, que são o assunto das religiões, mas na discussão acerca dos critérios de prova.
Assim sendo, enquanto uma filosofia de matiz teoreticista arrogaria o direito de decidir acerca dos critérios válidos ou inválidos para a prova da existência ou da inexistência de Deus (reivindicação comum aos teísmos e ateísmos), eis que o pragmatismo, na visão de James, "alarga o campo da procura de Deus", tomando tudo como possibilidade. É por isto que ele indaga: "como pode o pragmatismo, em sã consciência, negar a existência de Deus"? E conclui não ser possível tratar como não-verdadeira uma noção tão bem sucedida pragmaticamente.
A rigor, portanto, o pragmatismo é uma filosofia pragmática. Mas, pela mesma razão, é uma filosofia mais que pragmática. Ao se ocupar com a ação e com os resultados da ação, ela se aproxima das zonas do trabalho, da produção, da criação – da Poiesis. De modo que, embora a alcunha lhe seja perfeitamente aplicável, seria bom, ao menos no caso de James, acrescentar-lhe a epígrafe: uma filosofia da verdade como poiesis. Ou: uma filosofia pragmático-poiética.
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