A (auto) creaturidade do Homem

Por Thiago El-Chami

Segundo o filósofo brasileiro Huberto Rohden (1893-1981), “Deus creou [sic] o homem o menos possível, para que o homem se possa crear[sic] o mais possível”. (ROHDEN, Huberto. Sabedoria das Parábolas. São Paulo: Martin Claret, 2004, p. 70).

Aliás, esta idéia de auto-criação ou auto-realização do homem, em muitos aspectos análoga (quiçá, idêntica) à idéia de autopoiese, tem ocorrido recorrentemente aos homens de pensamento ao longo do tempo. Uma máxima atribuída a Goethe (ROHDEN, ibidem) recomenda: “Was du ererbt von deinen Vaetern, erwib es, um es zu bezitzen” (o que herdaste de teus pais, adquire-o para o possuíres).

A filosofia da primeira metade do século XX ratifica esta ordem de idéias. Para o existencialismo Sartreano, a existência precede a essência: “O homem é o que ele faz de si mesmo: este é o primeiro princípio do existencialismo” - Sartre, sendo nisto precedido em quase 1800 anos pelo Imperador e Filósofo Marco Aurélio: “Nossa vida é o que nossos pensamentos dela fazem” (vide VVAA. A essência da Vida. São Paulo: Martin Claret, 1997, p. 88).

A analítica existencial de Heidegger, por sua vez, ensina que o Dasein (a presença ou ser-aí do homem) precede a si mesmo, enquanto conjunto de possibilidades que o homem pode assumir e realizar: "A pre-sença 'é' o seu passado no modo do seu ser, o que significa, a grosso modo, que ela acontece a partir do seu futuro", como projeto. (HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo – Volume I. Tradução: Márcia sá Cavalcanti Shuback. São Paulo, Vozes, 2000, parte I, capítulo II, §6°: “A tarefa de uma destruição da história da ontologia”, pp. 47-56).

Mesmo os opositores desta filosofia da existência e da liberdade, como o filósofo brasileiro Álvaro Vieira Pinto, crítico ferrenho de Heidegger, apesar de reafirmarem a incidência de determinismos naturais e sociais sobre o animal humano, ainda assim reconhecem-lhe uma capacidade de transcender a imediateidade cega da relação fenomênica de causa-efeito em favor de uma teleologia ao menos, semi-autônoma: “O homem é capaz de idéias abstratas, e com elas, de linguagem e projeto” (PINTO, Álvaro Vieira. O conceito de Tecnologia. Volume I. São Paulo: Contraponto, 2005, capítulo I, item 3: “O ponto de partida para a compreensão da técnica e da influência da mecanização do trabalho” . Itálico acrescentado).

Como se vê, tanto os que filiam o homem inteiramente ao jogo da natureza quanto os que o fazem um verdadeiro autor de si mesmo admitem, ao menos, a sua participação decisiva no processo de sua formação/criação. Em todos eles, de alguma forma, o homem aparece como uma creatura creatrix, uma criatura criadora, também recriadora e ainda auto-criadora, embora, infelizmente, amiúde (auto)destruidora.



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