Ordem natural do saber versus Ordem social do agir: quem determina quem?

Por Thiago El-Chami


A característica mais notável da civilização grega, em seu período áureo, talvez tenha sido a tentativa de realizar a ordem social (Polis) em conformidade com uma suposta ordem natural (Kósmos). Ela está presente nas mais diversas tentativas práticas ali verificadas, bem como nas mais díspares concepções teóricas a respeito deste tema.

Porém, esta tese da organização do ethos e da polis em conformidade à Natureza (physis) ou ao Cosmo não é unânime; ou, no mínimo, não é interpretada univocamente. Losano (Sistema e Estrutura no Direito., Vol I, p. 14.) cita a célebre polêmica entre os grandes helenistas Werner Jaeger e Rodolfo Mondolfo.

Jaeger defende que a Polis, enquanto mundo do direito, pressupõe um kósmos ao qual aspira e imita. Monfolfo, em contrapartida, afirma que as experiências sociais precedem as naturais, de modo que a cosmovisão de um povo é projeção mitológica de sua estrutura civilizatória. Mão ou contramão, portanto?

Hans Kelsen endossa esta segunda tese, ao afirmar que a ciência natural começou com a estatização do Mundo: "a arché [princípio] dos jônicos é monarca absoluto" (KELSEN, Hans. A Ilusão da Justiça. Capítulo II: O Dualismo na Filosofia Grega), o que equivale a dizer que a natureza é que foi interpretada à luz da unidade sócio-política, e não o contrário.

Pontes de Miranda, em contrapartida, defende em seu "Sistema de Ciência Positiva do Direito", a idéia de que o direito se encontra na natureza, no Universo, como força entre forças, relação entre relações, sistema entre sistemas, fato entre fatos.

Um olhar mais atento revelará que, sob a roupagem moderna desta polêmica, se esconde a velha querela grega sobre se o justo é decorrente da natureza, ou se é puro fruto da convenção (physis ou nomos), correspondente à moderna oposição entre o jusnaturalismo e o contratualismo.

Como se vê, é uma aporia insolúvel nos quadros da investigação puramente crítico-descritiva, pois exige do próprio investigador uma prévia compreensão filosófica da realidade, como em Hegel, que reduz natureza e sociedade ao Espírito (Geist), respectivamente, como espírito-inconsciente-de-si mesmo e como espírito-objetivo, explicando dialeticamente a passagem de um a outro.

Em verdade, tal aporia representa um paradoxo autêntico, uma ambivalência ontológica que não deve ser elidida em favor de uma opinião (doxa) unilateral. Afinal, se é verdade que a Sociedade surge em meio à Natureza, é igualmente verdade que "Natureza" é um conceito, uma criação histórico-cultural da Sociedade, de modo que cada nova resposta elaborada por um dos partidos suscitará uma nova reformulação da tese adversária. Como dizia Bohr: “o contrário de uma verdade evidente é um absurdo evidente; mas o contrário de uma verdade profunda pode ser uma verdade profunda”.

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