“O
homem é um animal político”, já dizia Aristóteles. De fato, ainda que a
sociabilidade seja um instinto onipresente nos animais superiores, somente no
homem ela adquire expressão consciente: afinal, em razão de sua caixa craniana,
o ser humano é o único mamífero que não termina a sua formação no útero
materno, o que se comprova, aliás, pela sua longa infância.
Assim,
ao lado dos caracteres legados pela ancestralidade biológica, emergem vínculos
com alto grau de especificidade e dependência: o bando se despedaça em
famílias, nas quais de fato ressurge o processo chave da Evolução, a
especialização das funções. Enquanto que no bando há soma de forças, na
família há divisão do trabalho: nascem as obrigações, relações estáveis calcadas sobre necessidade comuns.
Com
o tempo, o homem cava bases profundas no habitat, desenvolvendo uma pluralidade
de atividades, das quais decorrem, efetivamente, diferentes bens a alocar, e
assim, diferentes modos de vida intra e interfamiliares. As famílias, isoladas
pelas suas peculiaridades, se expandem, culminando em tribos e clãs. Torna-se
preciso, aos poucos, estabelecer nexos de colaboração entre estes clãs,
mediante a troca de bens que só o outro sabe alocar ou produzir: nasce o contrato, fenômeno de natureza
coletiva, na qual os líderes enviados de uma tribo a outra nada mais eram do
que núncios executores.
É
sob a égide do contrato que nascerão as grandes civilizações. Surge o tabu do
incesto, que nada mais é do que um meio para que as famílias se unam, mediante
a troca de mulheres. Com as constantes trocas, surgem regras comuns, como
medidas ou pesos para os bens, pactos de conduta recíproca, e regras para a
solução de conflitos. É neste momento que, num duplo movimento, o contrato
ganha status convencional, fixando obrigações, e que se une ao ritual religioso
e aos tabus morais, dando início às leis propriamente ditas e ao direito
expresso.
Nas
grandes civilizações, surgirá o contrato individual, cuja expressão inicial
mais perfeita se deu em Roma. A afirmação das partes dá azo ao surgir do
direito subjetivo, primeiro sob égide do poder de exigir, desenvolvendo-se aí o
mecanismo sancionatório; depois se irradia para os demais setores da vida
social como faculdade de agir. Aliás, é com base na ação subjetiva que os
romanos formulam a sua teoria das fontes das obrigações (contrato,
quase-contrato, delito, quase-delito). No entanto, o cidadão romano ainda se
prendia à tradição pela autorictas,
autoridade: em suas lides privadas, ele deveria contribuir para o desígnio de
seus antepassados, razão pela qual o trato tinha de ser sacramentado,
legitimado por rituais e formalismos.
Com
a queda do Império Romano, no medievo, o centro de emanação do direito
ocidental passou às mãos da igreja católica. Paralelamente, surgiam pequenas
ordenações feudais, de suserania, servidão e vassalagem. E havia o direito dos povos
ditos bárbaros, cuja legado foi o anelo coletivista, centrado na obrigação dos
indivíduos face à coletividade, como limite aos negócios, que vai subsistir até
ser tragado pelo Sacro Império Romano Germânico.
No
séc. XV, o Direito Romano começa a ressurgir, no influxo de um movimento que
abrange a queda do poderio da Igreja, o retorno à cultura greco-latina, o
renascimento urbano, a revolução científica, e ampliação do horizonte do homem
europeu com o Novo Mundo e as Índias. Este turbilhão antropocentrista conduz ao
Iluminismo, no qual jusnaturalismo, liberalismo, fisiocracia e antiabsolutismo
confluem para a libertação total indivíduo ante o poder político, e que culmina
com as Revoluções Francesa e Americana. Grandes codificações celebram o triunfo
de um novo direito civil, pautado na autonomia da vontade e na coisa entre
partes, tutelados pelos frutos do iluminismo: direitos constitucionais
individuais, garantias de pessoalização e individualização das obrigações e das
penas, e limitação do Soberano pela legalidade trazida pelo Direito
Administrativo nascente.
No
séc. XIX, o legalismo jurídico francês se fortalece através do Positivismo de
August Comte. No entanto, em razão do descrédito do Judiciário na França, será
na Alemanha que o a aplicação do direito ganhará técnica mais apurada. Os
alemães perceberão a necessidade de estudar os mecanismos de tutela e
averiguação dos direitos, no que surge o Direito Processual, primeiro
fragmentado nos campos civil e penal. Esta corrente de idéias contribui
bastante para o esclarecimento da relação entre o contrato e os direitos
subjetivos, mormente o de propriedade. Desenvolve-se a teoria do negócio jurídico,
com a qual se regula os atos tendentes a originar, conservar, modificar,
transferir ou extinguir direitos e obrigações, com grande ênfase no contrato.
Verifica-se,
nestas breves linhas, o papel capital do contrato na orquestração
intersubjetiva de interesses. E é tarefa capital do jurista, não apenas
civilista, compreender o mecanismo do acordo de vontades, para que se logre
harmonizar a vida do direito entre homens e entre povos, conseguindo-se tornar
pleno o eterno ideal de um efetivo Contrato Social.
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