Muito
se discute, atualmente, a respeito do significado da ‘Era da Informação’e de
sua mutabilidade intrínseca, com relação aos estratos de estabilidade que
constituem a ordem jurídica. Há quem julgue necessária uma reformulação
fundamental nos conceitos e nas práticas jurídicas, ao passo em que outros
reduzem os adventos tecnológicos a meras expressões refinadas de modos de
manifestação e comunicação da informação e da vontade já existentes.
O
contrato, como todo fenômeno que se reúne sob a alcunha de ato jurídico, se caracteriza por preencher um intervalo no
espaço-tempo; houve, portanto, uma presentação, uma ocasião em que ele
se fez ato, realidade atual. No entanto, as obrigações, prestações,
prescrições, sanções, etc, ou seja, os efeitos
jurídicos do ato são, logicamente, a ele posteriores. O problema capital do
Direito, então, torna-se garantir a prévia existência de um ato jurídico e a
atual vigência de uma relação jurídica, para que daí se infira a exigibilidade
do efeito. É preciso, pois, representar, isto é, tornar novamente
presente o ato jurídico alhures ocorrido. Entra em cena o documento.
Documento,
segundo Fúlvio Cardinelli[1],
vem de docere, ensinar. A coisa que
ensina é a que nos faz conhecer outra coisa, a que aponta para uma outra. Deve,
pois, haver uma relação não arbitrária entre as duas, razão por que só é válido
o documento produzido simultaneamente ao ato jurídico em questão. Deve-se
observar, no entanto, que documento hoje guarda um sentido semiológico forte
demais, ou seja, entendemos como tal apenas aquilo que traz em si um sinal
sensível da coisa. Ora, a memória de uma testemunha é um fenômeno produzido
paralelamente ao ato, sendo prova tão idônea quanto o documento. Entretanto,
conforme uma distinção doutrinária, são mais seguros os documentos diretos,
aqueles que levam qualquer observador ao seu conteúdo, como o documento não
cifrado para todos legível, enquanto que fitas cassetes, por exemplo, são objetos
que precisam sofrer uma ação para que mostrem o seu teor.
Com
base em tudo o que fora dito acima, penso poder afirmar ser a Internet um
importante meio de comunicação da vontade, logo, de validação de atos jurídicos
como o contrato. Ora, ela faz as vezes tanto de documentos direta quanto dos
documentos indiretamente representativos, pois podemos acessar o conteúdo de um
e-mail que porte uma declaração de vontade, como também os registros
codificados com base nos quais podem ser reconstruídas imagens que já deixaram
de circular pela rede. Um outro ponto importante está em que a Internet pode
não só representar, como também presentar um contrato, funcionando como um meio
no qual se dá não só o registro do acordo de vontades como também o próprio
acordo, podendo ser este exposto ou disponibilizado à direta apreciação de
autoridade competente, conforme o caso.
É
evidente que a realidade virtual e tecnológica traz em seu bojo, como toda
novidade, um risco inerente de precarização da ordem instaurada, abrindo flanco
para que desvalores heterogêneos se inssinuem nas instituições, afetando a
vitalidade do processo social. No entanto, isto sempre ocorreu, e o Direito
sempre contribuiu com o seu quinhão para resolver tais problemas. Sempre
surgiram novos meios de crime e fraude. Mas, como diz Durkheim, tão normal
quanto o crime sempre foi a sua punição social. Além disso, há problemas que
não cabem ao Direito, mas à Política, à Ciência, à Economia: a existência de
famintos nas ruas não é óbice para que presos tenham alimentação farta. Da
mesma forma, o risco de uso da tecnologia é um desafio à ciência, para que
colabore com o Direito na sua função capital: o acesso à justiça.
[1] GARCIA, Flúvio Cardinelle Oliveira.
Da validade jurídica dos contratos eletrônicos . Jus Navigandi,
Teresina, a. 8, n. 264, 28 mar. 2004. Disponível em:
<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4992>. Acesso em: 15 mai.
2004.
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