Conceitos Fundamentais da Metafísica - 1ª Parte. 2. Tonalidade Afetiva, Vorhandenheit, Dasein

 Heidegger inicia sua exposição prévia sobre a tonalidade afetiva fundamental (TA) alertando que o despertar de uma TA não é uma constatação de um ser simplesmente dado, mas um deixar o que dorme vir a estar acordado. Qual a diferença entre os dois?

Primeiro, note-se os substantivos: não uma constatação (substantivo abstrato), mais um deixar (substantivo abstrato deverbal). Observe-se, agora, os verbos correlativos:

Constata-se uma coisa, um fato, uma informação, um resultado. Mas não se constata um homem. Pode-se até constatar o estado, situação, fato ou informação relativos a ele, mas não o homem mesmo.

Deixa-se um homem. Mais exatamente, deixa-se o homem ensejar algo específico do homem, algo não meramente constatável: um sentimento, uma ação, uma conduta. Deixa-se (ou tenta-se deixar) amar. Deixa-se fazer ou não fazer, ir ou ficar. Deixa-se sonhar. Nem mesmo o animal é deixado: há apenas um não-tolher, quando nos omitimos de intervir a que ele manifeste reações que só impropriamente se pode denominar de ações.

Deixa-se um homem acordar. Mas também, deixa-se algo que está no homem acordar.

Uma TA é algo que se deixa ou não se deixa acordar. Não é algo que meramente se constata. Quem crê que constatou em si mesmo uma certa TA muito provavelmente fantasiou uma representação psíquica de uma TA, pois ela não é constatada passivamente. Imagine-se alguém constatando friamente: “estou excitado!” ou “estou angustiado!”. Heidegger adiante esclarecerá esta noção, alertando que uma TA nos afina, nos ajusta, nos sintoniza – ou, na forma mais precisa da tradução brasileira, nos “traspassa afinadoramente”.

Quando uma TA desperta, portanto, ela nos toma de assalto – mesmo que este assalto não seja à mão armada, mesmo que ele não irrompa retumbantemente em espasmos e estertores, mesmo que ele pareça mais uma furto inadvertido, um chegar ou ir sorrateiros.

A explicação desta especificidade da TA se encontra à luz da fenomenologia de Ser e Tempo. Nele, Heidegger adverte que somente o “ser simplesmente dado” (Vorhandenheit), isto é, as coisas que meramente estão aí, no mundo, é que podem ser constatadas ou não constatadas. O homem, enquanto ser-aí (Dasein), bem como os fenômenos humanos, que também possuem o modo de ser do Dasein, ultrapassam esta imediateidade do ente intramundano simplesmente dado, e são acessados de outras maneiras. A maneira de acessar uma TA, por exemplo, será este deixar despertar, deixar vir a estar desperto.



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