Com Kant, o conceito de sistema adquire, definitivamente, cidadania
filosófica . Nele se abandona o modelo mecânico então vigente,
substituído por um conceito verdadeiramente orgânico, que pressupõe
uma “força única, central, interna, agindo de modo teleológico,
diferente da mera soma das partes do sistema”i.
A idéia de sistema tornou-se uma obsessão para Kant. Tomando por
base apenas a sua obra madura (o chamado período crítico),
encontra-se já na Crítica da Razão Pura, na parte intitulada
"Doutrina Transcendental do Método", um capítulo
denominado "Arquitetônica da Razão Pura", que começa com
as seguintes palavras: "Por arquitetônica, entendo a arte dos
sistemas"ii.
E no mesmo parágrafo, ele prossegue: "...a unidade sistemática
é o que transforma o conhecimento vulgar em ciência".
Mais adiante, na esfera da Razão Prática, em sua Doutrina do
Direito, Kant reflete uma vez mais sobre as questões implicadas pelo
paradigma sistemático. Para ele, a dedução da divisão de um
sistema, isto é, "uma prova de que [ele] é tanto íntegro
quanto contínuo"iii,
com uma passagem adequada do conceito dividido para os elementos que
o subdivivem, "é uma das mais difíceis condições a serem
cumpridas pelo arquiteto de um sistema".
Nesta passagem, referia-se o filósofo de Konigsberg à dificuldade
de extrair logicamente o sistema da metafísica dos costumes (que,
para ele, abrangeria a doutrina do direito e a doutrina das virtudes)
a partir do princípio por ele considerado fundamental: o conceito de
ato do livre arbítrio em geral.
Porém, a reflexão mais avançada sobre a matéria, que chega mesmo
a prefigurar a abordagem da moderna teoria dos sistemas, encontra-se
em sua Crítica da Faculdade de Julgar, em duas passagens,
entituladas: "Do sistema teleológico nas relações dos seres
organizados" e "Do fim último da natureza como sistema
teleológico"iv.
Nestes sub-capítulos, Kant argumenta a favor do caráter
genuinamente ontológico do sistema, na medida em que o considera
presente no reino da natureza, cujos seres organizados possuiriam um
fim (telos) inerno e autônomo, a partir do qual existem,
desenvolvem-se e atuam. Veja-se nesta concepção os rudimentos da
idéia de sistema aberto, o qual é capaz de interiorizar
informações do ambiente (aprendendo, assim, o telos da
natureza), e de exteriorizar informações em seu meio (manifestando
o seu telos interno na forma de ação ou comunicação).
Observe-se, ainda, que esta concepção de telos ou finalidade
intrínseca é bastante aparentada ao conceito de função,
que desempenha papel-chave na moderna abordagem sistêmica.
i
CHAVES, Pablo H. Direito e Sistema. Jus Navigandi, Teresina,
ano 5, n. 51, out. 2001. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2169>. Acesso
em: 25 maio 2010.
ii
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Trad. Alex Marins.
São Paulo; Martin Claret, 2001, p. 584.
iii
KANT, Immanuel. A Metafísica dos Costumes. Trad. Edson Bini.
Bauru: Edipro, 2008, p. 71, nota 28.
iv
KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade de Julgar. Trad.
Daniela Botelho. São Paulo: Ícone, 2009, pp. 276-281
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