O homem ocidental antigo concebia o mundo como algo eterno a
coexistir com o ser supremo, o qual representava uma inteligência
extrínseca a ele a conduzi-lo do caos à ordem. O sistema é visto
como uma ordem imposta por uma inteligência ativa a uma matéria
passiva, ou seja, é o Cosmo que o Artífice Divino articulou a
partir do Caos1.
O ser humano aí se encontra em situação singular: embora produto
da criação, ele não é determinado pela divindade, como os
demais seres vivos. Como ser pensante, possui alma, e participa
igualmente do logos, da parte inteligente do universo. Tal
concepção traduz-se na exigência ética de uma responsabilidade do
homem face à natureza.
A liberdade, neste paradigma, consistia na possibilidade de agir
racionalmente, sem opressões naturais (vício, doença, clima) ou
sociais (escravidão, servidao, dívida, guerra). Por isto, os gregos
passaram a buscar na natureza o princípio fundamental, physis ou
arché, ali posto pela Inteligência Suprema.
A conformidade do agir humano face à natureza era a meta da
ordenação social. Em outras palavras, uma espécie de ética
natural conduzia a um direito natural, que satisfazia tanto ao
interesse privado, então compreendido como necessidade natural,
quanto ao interesse público manifesto na imitação da ordem
racional da natureza, como em Aristóteles, que vê na virtude o
justo meio entre impulsos opostos, e na justiça proporção2.
Nesta perspectiva, à ação humana não cabe somente o respeito a
esta ordem cósmica, como também a complementação da obra do
Demiurgo, através da ordenação da sua vida em comunidade, donde
ressai a Polis como a maior criação da civilização grega,
como uma ordem humana em imitação (mimesis) da ordem divina.
1
“Afinal, o deus quis que todas as coisas, na medida do possível,
fossem boas e não más. Assim, ele tomou tudo que era visível, e
constatando que não se encontrava em repouso, mas em movimento
discordante e desordenado, trouxe-o de um estado desordenado a um
ordenado". PLATÃO. Diálogos V: Timeu. Trad. Edison
Bini. Bauru, SP: EDIPRO, 2010 (itálico acrescentado). Observe-se
que esta concepção da criação diverge da Gênese judaica,
na qual o Deus criou o mundo ex nihilo (do nada). Trata-se,
pois, de uma criação enquanto sistematização, acréscimo
de forma e não criação da matéria, transformação
do caos material preexistente em cosmo orgânico adveniente. Uma
poiesis.
2
Cf, a este respeito, ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad.
Pietro Nasseti. São Paulo, Martin Claret, 2007, livro II, item 6,
p. 47 e ss.
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