O significado de "Lógica", segundo Tugendhat

Para Ernst Tugendhat, em sua "Propedêutica lógico-semântica", a palavra 'Lógica', não possui um significado correto em face doutros errados, mas significados mais claros do que outros.

Esta observação revela algo importante. O próprio conceito de lógica é atingido pela multivocidade que as suas técnicas e instrumentos analíticos objetivam eliminar. Entretanto, uma tal indecisão conceitual, uma tal amplitude de perspectivas não tem afetado o desenvolvimento vertiginoso da disciplina. Por que será que isto ocorre?

A razão para isto é que a lógica é uma ciência do minimum. Para construir um foguete, é preciso a máxima tecnologia necessária, com o grau máximo de perícia em sua aplicação. Para enunciar um argumento válido, não é preciso nem mesmo estar de posse da verdade: basta ter às mãos a adequada forma lógica.

Isto, porém, não é privilégio da lógica e de seus objetos. Mesmo a mais supostamente objetiva das ciências, a Física, também goza do privilégio da indefinição. Ao lado de conceitos primitivos, como "força", ela dispõe de elementos aos quais ainda não compreende totalmente: mesmo sem saber o que é a eletricidade, nós somos capazes de construir gigantescas turbinas e fazer funcionar o mundo por seu intermédio. 

Em toda ciência, há objetos que se caracterizam pelo que se poderia chamar de "objetividade cultural relativa": eles possuem um núcleo de objetividade (que pode ser medido, operacionalizado, que é consensual) e um certo quê subjetivo, ou melhor, intersubjetivo, que ainda está e talvez sempre esteja em discussão.

Contudo, não se pense que este "apenas" indica uma pobreza da lógica, mas uma sua riqueza. Com este corte epistemológico, ela se despe de veleidades metafísicas dispensáveis, e cuida somente daquilo que lhe seja valioso, como o bom garimpeiro que não enche a sua bolsa com pepitas que não sejam ouro. Instrumentos lógicos podem até ser usados a par de instrumentos doutras ciências e disciplinas, mas o regramento deste uso foge ao escopo da lógica em si mesma.


Assim, considerar a lógica como a ciência da inferência formal válida já antecipa boa parte do horizonte dos problemas que ela há de defrontar. Evidentemente, nos manuais de lógica se encontrará questões sobre relações não-inferenciais, inferência material (indução), e inferências formais e materiais inválidas (falácias, p.ex.). Isto, porém, já nos deixa de posse do objeto a procurar, inda que o seu traçado e o seu limite não sejam, ao fim da busca, aqueles vislumbrados no princípio.  

Nenhum comentário: