A Pacífica figura do Sábio Grego e a Natureza da Filosofia

A pacífica figura do sábio grego

O singelo começo da Filosofia

Todas as coisas que surgem sob o signo da paz o fazem na mais absoluta singeleza, quase que imperceptivelmente.
A guerra, esta sim, sempre se faz preceder por anúncios, ameaças, discursos cada vez mais acalorados, conclamações, convocações, trocas de farpas, e toda espécie de silêncios desperdiçados.
O desabrochar duma semente, uma nova amizade, a nascente de um rio: antes do balouçar das folhas no outono, das efusivas gargalhadas do reencontro, ou do retumbante desaguar no oceano, o silêncio, o murmúrio, a meia-voz.

Filosofia: não um novo conhecimento, mas um novo conhecer

A filosofia é uma forma de conhecimento do mundo e da vida. Porém, ele não é um saber que surge em meio a uma ignorância primitiva, uma completa novidade em meio ao velho, um facho de luz a dissipar trevas de outrora.
O filósofo, por certo, é portador de alguma nova (nem sempre boa) – mas não deste tipo.
Ao contrário disto, os povos e indivíduos que alcançam o nível da reflexão filosófica criadora são justamente aqueles que já adquiriram prévia e laboriosamente diversos conhecimentos em seus específicos campos de atuação na vida.
Trata-se, portanto, não de conhecer algo novo, mas de estabelecer uma nova relação com algo que já se conhece.
Mas, o que isto tem a ver com a Paz?

O conhecimento como luta

O conhecimento das coisas nem sempre (quase nunca) se dá ao homem na forma lúdica da experiência de mundo da criança a brincar, do cientista no laboratório ou da curiosa alcoviteira. No mais das vezes (e foi assim no início de nossa jornada terrestre), conhecer é encontrar uma saída diante de um impasse ou perigo que é dado.
Conhecimento é algo que, a princípio, se conquista em meio à luta.
Ocorre, porém, que nem sempre o novo saber representa uma vitória em meio à luta, o fim de um conflito existente, uma solução. Muita vez, ele significa somente uma nova percepção do problema. A consciência inevitável da morte, por exemplo, não significa a antevisão de um perigo do qual se possa fugir, mas a certeza de um dano do qual não se pode escapar.
A política, a economia, a medicina, o direito, por exemplo, são saberes que nos revelam cada vez mais os perigos do inimigo, da carência, da doença, da injustiça. E assim por diante.
Não há dúvida de que a Verdade integral liberta. A Verdade espiritual liberta. A Verdade final liberta. Mas as pequenas verdades parciais e materiais do caminho nos escancaram a condição de prisioneiro.
Os primeiros pensadores gregos, depois denominados “filósofos”, foram homens que se deram conta desta situação aflitiva do homem no Mundo. Se o conhecimento é uma tentativa de pacificação entre pensamento e a realidade, era preciso agora encontrar uma forma de pacificar o homem e o seu próprio conhecimento.
Não por acaso, estes homens de ideia atingem o nível da reflexão filosófica em estágios tardios de suas vidas, após toda uma existência ativa junto aos outros e ao mundo.
Para eles, então, importava agora compreender o que já se sabe. E compreender é pacificar, é integrar, é iluminar um conhecimento através do outro. É unificar.
         A compreensão filosófica se realiza através de sínteses. Toda syn-thesis, é uma composição, uma unificação de duas teses (thesis), de duas verdades, de dois pensamentos.
          Mesmo os filósofos da desagregação, da aniquilação, do caos total, da guerra universal ou do nada efetuaram sínteses a partir das quais lançaram seus anátemas ao mundo como ele é (ou a como ele tem sido): sínteses sempre questionáveis, sempre discutíveis, sempre passíveis de tornar ao diálogo.
          Platão chegou a dizer que o pensamento reflexivo (como o filosófico) é um diálogo silencioso consigo mesmo.
       O filósofo, em primeiro lugar, tenta efetuar um acordo entre seus próprios pensamentos e conhecimentos. Pensamentos e conhecimento que já são – recorde-se – tentativas de compreensão/conciliação com o mundo, seus enigmas e problemas.
          Além disso, ele busca o acordo com as ideias de outros pensadores, mesmo os que lhe sejam abertamente adversos, uma vez que os leva a sério, os leva em consideração.
           Apresentar com honestidade e respeito a ideia alheia, seja para confutar ou refutar, é condição essencial para que um discurso mereça a alcunha de filosófico. Sob pena de incorrer em fraude à filosofia. Sob pena de decair ao estágio da mera propaganda ideológica.
        Certamente, até mesmo pensadores do mais alto galardão, como Aristóteles ou Nietzsche, fraquejaram vez por outra neste dever de sinceridade argumentativa.
E veja-se que, justamente em tais momentos, o caráter belicoso da discussão, a ânsia de vencer o debate, a tentativa de reduzir o outro ao silêncio – a guerrilha intelectual – foi o que impediu a serena e justa apreciação do valor do argumento alheio.
Nestes momentos, o espírito filosófico cedeu espaço ao instinto de supremacia.
Se o animus disputandi é capaz de derrubar das planícies da Verdade homens desta envergadura, a boa notícia é que o sincero desejo de compreender (o outro, o mundo, a vida) é capaz de nos levar a incursões, individuais e coletivas, junto àquelas altitudes divinais, e a tornar menor a distância que separa a Pólis dos homens e dos atos e o Olimpo das Idéias e dos Ideais. Rumo ao fim (outro ideal?) do dualismo.

Não por acaso, os primeiros filósofos gregos se moveram com desenvoltura nestas duas esferas da Vida, provando ser ilusório o abismo a afastar o sábio e o herói

Tales foi o primeiro político a sugerir a união das diversas cidades-estado gregas em uma Confedereção.

Anaximandro teria sido o fundador de uma colônia em Mileto. E a descoberta arqueológica recente de uma estátua demonstra que ele foi um herói para seus conterrâneos.

Pitágoras foi legislador e conselheiro real, antes de ter sofrido perseguições políticas.

Heráclito era membro de uma família real, e teria inclusive renunciado ao poder em favor de seu irmão.



Empédocles, além de ter sido legislador, foi conhecido como ardoroso democrata.

Nenhum comentário: