Orar não é falar, e nem pensar.

Orar não é falar, e nem pensar.

Vivemos e atuamos num mundo por demais tagarela.

Se as ondas eletromagnéticas do rádio, da TV e da internet preenchem quase todo o espaço humano habitado, atravessando nossos corpos como ferozes flechas invisíveis, situação semelhante se verifica com relação à mensagem que elas veiculam.

Acordamos ao som de um celular que nos informa a hora, a data, os compromissos do dia e o melhor trajeto para chegar ao trabalho.

Em seguida, nos defrontamos com o programa matutino do rádio, o telejornal, os outdoors no caminho, os panfletos publicitários, as revistas nas bancas de jornal e um número infindável de letreiros luminosos e placas comerciais.

Falamos e falamos e falamos, de maneira ininterrupta – verbalmente ou por escrito.

Falamos sem pensar – pois o silêncio de uma simples pausa para respirar pode acarretar a perda de uma oportunidade de negócios, de encontro, de defesa.

Até mesmo quando pensamos, não temos mais acesso a um rico e fecundo diálogo interior, a um genuíno escutar-se: assistimos passivamente a um enlouquecido monólogo mental.

E mesmo o conversar rotineiro, ocupação principal da existência cotidiana, resume-se essencialmente a um falar sem freios e sem propósito, no qual o que chamamos de escuta é mera alternância do monopólio da falação.

Aliás, quando paramos para ouvir o outro numa conversa, no mais das vezes estamos mais atentos à voz que fala em nossa mente, já sempre empenhada na elaboração da próxima fala, captando do que outro está dizendo tão-somente o mínimo necessário para responder, retrucar, rebater, acrescentar, falar novamente.

Em um tal contexto humano, manifestamente doentio, será que a oração há de encontrar o mesmo lugar e modo que desfrutava em outros momentos da história? Será mesmo útil acrescentar, a esta balbúrdia interminável de falas, a esta autêntica Torre de Babel, mais um momento discursivo?

Talvez os homens de outora, mais silenciosos (ou menos barulhentos) do que nós, precisassem abrir a boca para verbalizar seu mais profundo anseio à divindade. Mas, e nós, que vivemos num realidade mundial completamente pautada pela irrefrada acessibilidade de recursos para o desejo, precisaríamos recorrer à prece para exprimir o que sentimos?

Quem sabe, Deus esteja mais necessitado do nosso silêncio do que de mais ruído.

Um tal silêncio, por certo, para ser silêncio, alcançaria até o solilóquio mental, também barulho diante d'Ele.

Se orar é um falar ou um pensar, por mais nobre que seja, talvez seja apenas mais uma forma humana de infringir o grande silêncio cósmico, no qual Deus parece habitar em sua ''morada'' transcendente.

Uma tal impressão, evidentemente, é completamente errônea. Trouxemo-la aqui somente para apresentar o problema e suscitar uma reflexão preliminar sobre o tema que nos ocupa.

A Oração é algo que também se exprime por meio da fala – mas não é um falar.

De igual maneira, ela também se manifesta pelo pensamento – sem reduzir-se ao pensar.

Que seria ela, então?


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