Ditos e Escritos V - A Aceitação das teses psiquiátricas pelos juristas

Com base no que foi dito no estudo anterior, se poderia pensar que os homens do direito aceitaram tais propostas psiquiátricas por credibilidade científica. Porém, não é o que pensa Foucault.

De saída, ele nota que os magistrados e juristas contestavam a tese da loucura absoluta que poderia municiar advogados de defesa. Já que, em regra, boa parte dos crime violentos poderia apresentar aspectos capazes de suscitar indagação de loucura.

Alem disso, ele observa que os códigos surgidos no século XIX pouco mudaram em relação aos do período napoleônico. Lá já havia a previsão da irresponsabilidade do louco. Eles sequer incluíram explicitamente o papel do perito psiquiátrico na apuração da loucura.

Contudo, a psiquiatria se estabeleceu. E Foucault apresenta suas hipóteses quanto ao porquê.

Primeiro, ele nega que a psiquiatria tenha sido vista como evolução da teoria da irresponsabilidade dos loucos, como visto acima.

Segundo, que houve o ajuste de duas necessidades. A da higiene pública, que reclamava o desenvolvimento da medicina psiquiátrica e sua ativa presença na sociedade. Outra, a da consolidação da pena como instrumento de correção social. Ora, punir incorrigíveis tiraria a eficácia simbólica da pena e seu respeito pela sociedade.

Terceiro, que estas duas necessidades se ligam ao dispositivo de poder da sociedade industrial, cujo alvo é controlar o corpo social e o corpo dos indivíduos.

Quarto, o crime monstruoso e sem motivo é norte comum da definição psiquiátrica de loucura e noção de periculosidade social da loucura, além de fornecer ao jurista um escape ante ao problema de punir um crime sem sentido..

Quinto, surge a ideia do homem perigoso. Aquele que é julgado previamente apto a cometer crimes, que deve receber tratamento ou intervenção prévias do estado.


Sexto, a mudança na teoria da responsabilidade criminal. Antes, como no direito civil, bastava liberdade, consciência e sanidade para ser responsável. Agora, é preciso analisar, no crime, a motivação dos atos, a relação daquele ato com a história do indivíduo, seu caráter, etc. Se não há esta ligação, há loucura, há isenção de pena. 

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