Para o funcionamento do poder
disciplinar, que Foucault caracteriza como um poder dissimétrico e não
limitado, não basta unicamente o poder discursivo do detentor do saber, nem o
poder técnico do aplicador da terapia. Outras personagens se fazem necessárias.
E mais do que isto: todas elas se articulam numa relação de complementaridade
essencial do dispositivo de regulação disciplinar.
O médico, evidentemente, é a
primeira figura. Ele, por certo, concentra os dois poderes referidos acima: é
quem produz e possui o discurso acerca da doença mental, e é também aquele que
pode transformar este saber teórico em procedimento prático.
Este médico não pode possuir
apenas o conhecimento. Há requisitos outros, como porte varonil, a fim de impor
respeito aos loucos. No início da formação da psiquiatria como saber
especializado e incluído no conjunto das ciências positivas, chegava-se até a
detalhar este biótipo, fazendo-se menção a olhos vivazes, cabelos castanhos,
traços firmes e voz forte. Tais qualidades físicas são outros pontos de
dissimetria entre o médico e os pacientes.
No entanto, Foucault faz uma
ressalva crucial: o médico não pode ser o único detentor do poder. O poder não
pode estar num personagem, nem mesmo num grupo. Ele só existe disperso em
redes, relevos, apoios recíprocos, etc.
Assim, dentre outras figuras
presentes neste cenário, Foucault destaca:
a) Os
vigilantes – são os fiscais dos enfermos, os informantes dos fatos ocorridos no
espaço, os portadores do olhar não especializado, que fornece o material para o
olhar erudito do psiquiatra; este vigilante precisa aliar a força física e a
docilidade moral, para, ao mesmo tempo, intimidar os doentes e obedecer
incondicionalmente o médico;
b) Os serventes – ao contrário dos vigilantes,
estes devem estar abaixo dos doentes. Devem aparentar obediência a estes, como
se os servissem de fato. Quando recebem ordens do doente, as cumprem na medida
em que são autorizações prévias do médico. Quando recebem uma ordem inadequada,
a transmitem ao médico que, assim, possui um mecanismo adicional de inspeção.
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