A nau dos loucos é uma criação
cultural, um estilo literário emergente no século XV. Assim como o navio dos
argonautas, da velha mitologia grega. Vários escritores comporão histórias com
este fundo, com diversos enredos, heróis, vilões, mas com este pano de fundo
comum.
A loucura, portanto, já não era
no séc. XV um fenômeno social marginal ou pouco importante; ao contrário, já
ocupava papel crucial no imaginário simbólico popular. Ela era o grande Outro,
o grande engima, aquilo que se temia, mas também admirava como fonte de uma
secreta verdade. Que suscitava, de modo ambíguo, curiosidade e repugnância.
Contudo, se nunca houve
historicamente uma grande nau de loucos abandonados à deriva no mar sem fim, não
se pode negar que existiam embarcações destinadas a transportar loucos de lá
pra cá. As cidades queriam se livrar destes sujeitos incômodos, e os confiavam
muitas vezes a mercadores e peregrinos, que os soltavam depois em campos
distantes ou lugares ermos.
Havia cidades de peregrinação
que, justamente por receber grande afluxo de visitantes, recebiam muitos loucos
que eram “perdidos” ali por estes barqueiros de passagem. Em tais cidades,
acreditava-se que eles podiam ser curados. Mas ali também a marca da exclusão
se mostrava ainda mais forte, pois a grande quantidade de pessoas tais
perambulando pelas ruas não podia escapar ao olhar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário