Tomás
de Aquino se apropriará imensamente da doutrina Aristotélica do Nous. A este respeito, Pierre Rousselot
dedicará uma tese, o "Intelectualismo de São Tomás", e a iniciará
afirmando, justamente que o intelectualismo é uma teoria que "engloba e
ultrapassa a teoria da universal explicabilidade" e é oposta a uma vida
"conforme o discurso humano"12.
Ora, um olhar mais atento revela a que a pretensão de explicações com validade
universal é a nota distintiva da razão científica moderna, e que a vida
conforme o logos é o ideal grego subjacente, de
Homero a Heráclito e deste a Zenão. Por isto, a terceira alternativa, o primado
do Nous, apresenta-se ao pensamento cristão
como a melhor via de conciliar as exigências do pensar demonstrativo com as
necessidades da fé revelada.
Porém,
como fizera Agostinho em face de Platão, também Aquino se afasta de certas
teses aristotélicas, em favor dos dogmas da fé católica. E é com base numa noesis ensejada pela visão de mundo
cristã (segundo a qual o mundo foi criado por Deus), que ele irá reinterpretar
os enunciados Aristotélicos da protè
philosophia, no que diz
respeito aos princípios e às causas, à questão da origem ou eternidade do
mundo, e sobretudo, no tocante ao Movente Imóvel.
Aquino
é claríssimo quanto a seus postulados fundamentais. De saída, ele pontua:
"Uma vez que se admitiu, segundo
a fé católica, que a duração
do mundo teve um início..."13 e daí coloca o problema de "se
ele poderia ter existido sempre". Ora, como adepto do dogma da Criação,
Aquino equiparará a idéia de Criador e a de Causador, numa versão
teologicamente carregada do axioma da causalidade: tudo o que existe não pode
existir a não ser que "seja causado por aquele que tem o ser máxima e
verissimamente" (op cit., idem).
O
problema é que a idéia de eternidade se afigura, a princípio, contrária à de
causalidade: o eterno seria o que nunca foi causado, ou seja, criado. A única
solução possível consiste numa terceira via, isto é, na possibilidade de ser
criado algo que é eterno, ou, nas palavras de Aquino, de algo eterno "ser
produzido desde sempre" (idem, p.
12). E o mais interessante é que, para comprová-lo, Aquino articulará fé e
razão, nous e logos:
"deve, portanto, se verificar se há incompatibilidade lógica nestas duas
coisas" (p.13).
Igualmente
significativo é que, para isto, ele precisará derrubar dois postulados
imanentes à teoria aristotélica das causas do ser: aquele que diz que a causa
atuante deve ser anterior ao causado, e o que ensina que o não-ser de uma coisa
(o seu não-ser-ainda) é anterior ao seu ser (à sua criação ou surgimento). Com
o primeiro, ele modifica a teoria aristotélica do movimento, na qual o
princípio do movimento (archè kineseos) é anterior ao movimento (kinesis). Com o segundo, ele defende a
possibilidade de uma substância (ousia) ser em ato (energeia) sem
antes ter estado em potência (dynamis), algo que, para Aristóteles, só é
cabível ao Ato Puro, ou seja, a Deus.
E
como ele fará isto? Novamente, apelando para uma noesis cristã-judaica, a de que a Criação se
deu instantaneamente, a partir do Verbo criador, que ordenava o surgir
imediato da coisa: "Faça-se a luz, faça-se isto e aquilo...". Ora, a
anterioridade aristotélica da causa ao causado, do princípio ao movimento, só
se justifica na criação em devir, a qual, por consistir em um movimento ou
mudança (um processo), parte de um estado inicial (arche, causa eficiente) para um estado
final (telos, fim, causa final).
Na
cosmovisão subjacente ao mundo helênico, em que o ser divino (Demiourgos)
cria o mundo (Cosmos) a partir do Caos, a Criação é um processo, possui
etapas de ordenação e execução (demiourgos significa, precisamente, artesão em
grego). Porém, na criação ex
nihilo (a partir do nada, e
pelo Verbo), a instantaneidade da Criação permite que ela seja eterna (inda que
não seja co-eterna ao criador); afinal, o caos precede o cosmos enquanto etapa anterior, mas o
nada (por não ser coisa alguma) não precede a Criação.
Permitir,
no entanto, não é garantir. E Aquino sabe disso ao argumentar que, embora o
mundo tenha sido criado, isto não é impossível de conciliar-se com o "ter
existido desde sempre". Como que a delimitar o âmbito finito da razão
humana, ele sensatamente conclui não ser nem herético nem logicamente
contraditório defender uma tal tese, mas ele deixa a última palavra à verdade
revelada e não à verdade demonstrada.
Parte Final: http://paragensfilosoficas.blogspot.com.br/2013/09/fe-e-razao-de-platao-agostinho-de_8064.html
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