1.3.
A Sociedade Civil como Sistema das
Necessidades
Não é preciso nem adentrar o exame
do §§ 524 para detectar outro agudo acerto hegeliano: o título que o
precede já o demonstra claramente: o
sistema das necessidades. Ela se contrapõe frontalmente à auto-imagem da
sociedade burguesa que, desde a sua eclosão no período do capitalismo
comercial, se pautava na idéia então vicejante do Contrato Social: a sociedade é um grande pacto de indivíduos livres
que colaboram na perseguição de fins comuns e na co-realização máxima possível
de fins particulares. Mas uma mirada mais atenta aponta que isto não se
verifica.
Todo pacto pressupõe liberdade
estipulativa, bem como a independência do indivíduo quanto à possibilidade de
não fazê-lo: o pacto verdadeiramente livre é aquele no qual a pessoa não está
coagida, por fator algum, a celebrá-lo. Ocorre que os homens socialmente
organizados têm necessidades de variadíssima ordem, das quais são completamente
incapazes de dar conta sozinhos, o que exige o concurso ou colaboração de
outros indivíduos, com os quais ele próprio precisará colaborar também – já que
estes também não estão obrigados a auxiliá-lo na consecução de seus interesses.
Necessidade
é
justamente a negação da Liberdade, a
ausência desta; e a condição de vivente impõe ao homem a necessidade de
sobreviver, antes que ele possa se dedicar às suas ocupações puramente espirituais, em sentido hegeliano –
política, arte, religião, ciência, filosofia.
O problema é que a Sociedade Civil,
embora se destine a organizar e diminuir as necessidades, as aumenta
exponencialmente: ao participar de um agrupamento humano constituído por regras
complexas, o indivíduo perde a liberdade de agir indiscriminadamente na busca
de seus objetivos, e assume funções necessárias
no conjunto social. Ao assumi-las, ele renuncia a todas as outras que com ela
seria antagônicas ou concorrentes, tornando-se dependente daqueles que as
exercem.
Ademais, junte a isto que a própria
Sociedade Civil possui suas necessidades,
amiúde contrastantes com relação aos interesses individuais, requerendo ampla
soma de esforços diretos ou indiretos, limitando ainda mais a capacidade do
indivíduo prover isoladamente suas próprias necessidades.
O capitalismo, desde sua fase
industrial, percebeu claramente o papel da Necessidade
como motor da aglutinação Social e como combustível da própria Sociedade Civil.
Não por acaso, ele se pauta por uma restrição cada vez maior ao acesso imediato
aos bens necessários, interpondo cadeias de trocas cada vez mais complexas entre
o indivíduo e o recurso. E cria novas necessidades, pela cultura do consumo do
supérfluo, que se sobrepõe à camada de necessidade originárias do indivíduo, a
exigir-lhe cada vez mais participação do Sistema das Necessidades, cada vez
mais infenso a qualquer grau de Liberdade genuína, caricaturada pela
‘liberdade’ de opção dentre artigos duma vitrine.
Parte V: http://paragensfilosoficas.blogspot.com.br/2013/09/realismo-em-hegel-idealismo-em-marx_310.html
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