1.2. O caráter
não-ético da Sociedade Moderna segundo Hegel
O
surgimento da Sociedade Civil é visto por muitos pensadores políticos modernos (dos
quais Rousseau talvez seja a única grande exceção) como um progresso histórico
da civilização humana. O contraste entre os modos de vida e as concepções e
atos dos europeus e dos povos que estes julgaram “selvagens” forneceram um
paradigma apologético da Sociedade como instância necessária para o
aprimoramento (ou domesticação, conforme a perspectiva) da supostícia fera
humana.
Hegel,
entretanto, não concordará com esta visão das coisas. Na Filosofia do Espírito de sua Enciclopédia
das Ciências Filosóficas, §§523[1],
ele argumenta que, ao contrário da Família, que pode ser considerada como uma
única pessoa por constituir uma unidade verdadeira, a Sociedade Civil consiste
em uma particularização abstrata da “Substância Espiritual”. Isto significa que
ela não se realiza na forma de uma unidade orgânica ou intrínseca, mas de uma
unificação extrínseca, composta de muitas famílias ou indivíduos acidentalmente
interligados pela coexistência em um espaço geográfico e político.
O
problema é que, para Hegel, por representar uma unidade abstrata, a Sociedade
Civil implica um empobrecimento espiritual em relação à Família, pois ela perde
o caráter ético, “uma vez que estas pessoas como tais não têm na sua
consciência e como seu fim a unidade absoluta, mas a sua própria
particularidade e o seu próprio ser para si; donde nasce o sistema da
atomística”[2].
A
perspicácia desta afirmação, que prenuncia o individualismo ético, a
maximização econômica do auto-interesse e o indiferentismo político da futura
sociedade de massas, se torna ainda mais penetrante quando se considera que a
Alemanha do tempo de Hegel se encontrava em estágio ainda quase-feudal (tipo
societal patriarcal e de forte ranço familiar), e que a Sociedade Industrial
nascente do outro lado da Europa, na Inglaterra, estava longe de estar
consolidada – Londres só veio a ter seu distrito proletário em meados do século
XIX.
Ademais,
somente no século XX é que as forças de desagregação (Hegel diria:
particularização) da Sociedade Civil se mostraram mais intensas, com a
“Sociedade de Trabalhadores” e com a solidão enquanto fenômeno de massa[3].
Parte IV: http://paragensfilosoficas.blogspot.com.br/2013/09/realismo-em-hegel-idealismo-em-marx_6668.html
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