Uma
maneira tradicional e ao mesmo tempo interessante de iniciar o árduo
processo de “introdução à Filosofia” consiste em refletir
sobre a sua etimologia: philo sophia, amor à sabedoria.
Parte-se de uma reflexão sobre o sentido de um tal amor, bem como da
especificação de qual tipo ou tipos de sabedoria se trata, para que
se tente uma interpretação conjugada dos dois termos.
Alguns
vão até além, tentando situar a origem do termo em Pitágoras ou
em Heráclito, ligando-os, por um fio contínuo, até a sua
utilização consolidada a partir de Sócrates.
No
entanto, há que se perguntar: será que a filosofia consiste
unicamente numa tal espécie de busca intelectual amorosa? Ademais,
somente a ela é que caberia aspirar e achegar-se espiritualmente
desta tal sabedoria?
Em
primeiro lugar, note-se que nem todo filósofo busca a sabedoria. A
atitude com a qual um Nietzsche ou um Foucault se acercam da
Filosofia não é a de quem nela adentra em busca de uma diretiva
para a vida, de um conhecimento salvífico ou de uma porta para a
transcendência. Só isso já bastaria para impugnar uma apreensão
tão simplista da questão.
Tampouco
adiantaria, em resposta a uma tal objeção, asseverar que a busca da
sabedoria foi, ao menos, o ideal comum partilhado pelos primeiros
filósofos. De saída, há o triplo problema historiográfico (quem
são os primeiros filósofos? Como provar a existência de um ideal
comum? E se o for, ele é entendido univocamente por todos eles?).
Além da
dificuldade de sua comprovação, eis que desde a Grécia, berço dos
primeiros filósofos EUROPEUS de que se tem registro, já
abundavam pensadores que buscavam outras coisas que não a Sophia.
Sim, filósofos tão legítimos quanto Sócrates ou Platão,
apelidados de Sofistas, dirigiam suas reflexões amiúde
geniais em busca do poder, da glória, da persuasão, do domínio,
etc.
Por
outro lado, desde que o mundo é mundo (entenda-se: desde que o homem
civilizado o percebeu como tal), outros personagens importantes
buscaram os difíceis confins da sabedoria, cada qual à sua maneira.
Não esqueçamos do místico, e sua busca ascético-contemplativa, do
poeta e sua busca imagético-elaborativa, do religioso e sua busca
monástico-devocional. Cada qual aspirando ao cume, se é que o há
(e mesmo que seja imaginário), por uma escarpa diferente.
E nem
adianta reinterpretar a palavra filosofia, de maneira mais “profana”,
como uma espécie de “amor ao saber”. Além de esta expressão
coadunar com as mais variadas psicopatias que vicejam no mundo
moderno, também se há de notar que o afã de conhecer move e comove
o paciente cientista, o genial artista e o corajoso técnico –
inclusive, quando estes três homens são um só: Leonardo, Goethe.
E, se a
velha Sophia e o seu irmão gêmeo (o saber) já se mostram
grandes demais para serem dominados unicamente pelo homo
philosophicus, também é verdade que este, em contrapartida,
possui latifúndios importantes noutros territórios: veja-se que
desde sempre houve outros ideais filosóficos (ou filosoficamente
aproveitáveis) ao longo da Epopéia civilizatória: o herói grego
(assunto de Heráclito, Empédocles e mesmo Platão), o santo cristão
(o próprio Cristo, enquanto sanctum sanctorum e archetypus
philo), o honnête homme (homem
honesto e bem sucedido do individualismo moderno). E por aí vai...
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