Foucault - As Palavras e as Coisas - O penhor e o preço

A querela entre a moeda como signo e como mercadoria é efeito possibilitado pela disposição mais ampla que a coloca como garantia. Isto já se acha em Locke. As riquezas de confiança ou opinião.

Dizer que a moeda é uma garantia é dizer que foi recebida com consentimento comum, pura ficcção; mas, também, que ela foi dada e poderá ser trocada pela mesma quantidade de mercadoria ou ser equivalente. A moeda permitiria, nesta perspectiva, esta segurança.

Ela, ainda, pode reconduzir sempre ao seu proprietário, o que acaba de ser trocado por ela, assim como na representação, um signo deve poder reconduzir o pensamento àquilo que ele representa.

A moeda é uma sólida memória, uma representação que se duplica, uma troca adiada. Um comercio imperfeito, um ato ao qual falta, durante muito tempo, aquilo que o compensa, uma semi-operação que promete e espera a ordem inversa pela qual a garantia se verá reconvertida em seu conteúdo efetivo.

O que lhe dá essa segurança, que lhe faz escapar do dilema do signo sem valor ou da mercadoria análoga a todas, é o ponto de heresia. Ou a operação é assegurada pelo valor mercantil da matéria, ou a mercadoria é a ela exterior mas a ela ligada pelo consentimento coletivo ou do príncipe(Law), que escolhe implantar a moeda de papel garantida pela propriedade, bilhetes hipotecados.

Do fracasso do sistema de Law, voltou-se à moeda metálica. Para Turgot, a marca do príncipe só certifica o preço e o título. O ouro seria medida e mercadoria. Entre Law e seus críticos está a distancia de quem dá a garantia e quem a recebe, mais abundancia versus menos especulação.

Em todo caso, a moeda ainda tem aí uma proporção com as coisas, e o poder de as fazer circular.

O poder representativo e de análise sa moeda é atrelado à quantidade de riquezas e de espécies. Não pelo valor do metal, mas pela necessidade representativa. Mais bens, a moeda representa qtde maior; mais moeda, o inverso.

A lei quantitativa de Locke difere da de Bodin. Não há justo preço; novos bens interferem no preço de todos. O preço módico não é menos exato do que o elevado. Mas é impossível que a moeda exista em qtde igual à dos bens, como a cédula; ela se refere a diversos bens simultaneamente, assim como o nome comum a várias coisas, ou um caráter taxonômico a varias espécies e gêneros.

Todo gênero se generaliza tornando-se mais simples. De igual forma, a moeda só representa mais riquezas se circular mais rápido. Ali, o número de espécies, aqui o de mãos. Daí a origem no pagamento à agricultura. À extensão taxonômica do caráter no espaço simultâneo no quadro corresponde a velocidade do movimento monetário durante um tempo definido.

Esta velocidade tem dois limites: infinitamente rápida, a da troca imediata na qual a moeda não teria papel, e infinitamente lenta, em que cada riqueza teria seu duplo monetário, a depender da quantidade de moeda.

No séc. XVIII, se ligam as análises da circulação a partir dos rendimentos agrícolas, o problema do desenvolvimento da população e o cálculo da qtde ótima de espécies monetizadas.

O problema, a esta altura, não é o da acumulação e/ou dispêndio (pois este pressupõe as questões da produção e do capital), mas a qtde necessária para uma circulação extensa e veloz, não justa, mas ajustada, nem frouxa nem cerrada.

A qtde de moedas era calculada segundo as rendas do agricultor: a que paga ao proprietário, a da manutenção de si e dos seus; a de investimento; a do meio pode ser em trocas, basta 2/3 de moeda face à produção; mas os pgtos são 4 vezes ao ano, logo 1/6 basta, etc. Mas os países não estão isolados e, “a excessiva abundancia de dinheiro que faz, enquanto dura, a potencia dos Estados, lança-os na indigência.” Logo, deve-se ter menos moeda que o outro para atrair dinheiro estrangeiro.

Mas essa oscilação é detida pelo movimento contrário dos homens; estes vão em direção aos salários mais altos. Se os dois ritmos forem iguais os salários não sobem mais que a riqueza, e sem interrupção, para haver mão de obra. A moeda tb tem que aumentar, para aumentar a retribuição. Mas, sem a composição, há a falência, como na Espanha, em que as minas aumentavam muito o numerário e com ele os preços sem puxar a produção e o salário. 

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