Foucault - As Palavras e as coisas - A formação do valor para o pensamento econômico do séc. XVIII

Segundo Foucault, a teoria clássica da moeda e do comércio estuda o mecanismo pelo qual as riquezas se representam entre si (tendo o metal como representante universal); a teoria do valor indaga verticalmente, nesta região de trocas, porque os objetos do desejo e da necessidade hão de ser representados, como se estabelece o valor de uma coisa.

Valer, para os clássicos, é valer algo, poder substituí-lo num processo de troca. A moeda só foi inventada, e os preços fixados e mudados porque a troca existe.

Só se trocam coisas porque cada parte vê valor no que a outra possui; e o que cada um utiliza não tem valor enquanto não é cedido, e o desnecessário enquanto não for usado na aquisição duma necessidade.

Assim, para que numa troca uma coisa represente outra, é preciso que já tenham valor em si; mas, o valor só existe dentro da representação(atual ou possível), na permutabilidade. Daí se pode ler o valor durante ou antes da troca. No 1o caso, uma análise que coloca toda a essência da linguagem no interior da representação; na outra, uma análise que põe essa essência do lado das designações primitivas, linguagem de ação ou de raiz.

Na primeira alternativa, a língua é possível na atribuição assegurara pelo verbo,  tornando possíveis todas as palavras através do liame proposicional. Isto equivale à troca que funda o valor das coisas trocadas e o preço na qual são cedidas.

Na outra alternativa, a língua está fora de si, na natureza ou na analogia das coisas; a raiz, 1o grito que origina a as palavras antes mesmo da língua, equivale à formação imediata do valor e antes da troca e das medidas recíprocas da necessidade.

Mas, para a gramática, as duas formas de análise se distinguem; a proposição e a designação correspondem ao designar e ao julgar, em relação tanto com um objeto quanto com uma verdade.

Tal distinção, porém, inexiste na economia, onde o desejo, ao dirigir-se a um objeto, já a afirma-o desejável; designá-lo é já fixar o liame. 

Não há aí, ainda, uma única teoria que analisa tanto o valor de uso quanto o de troca. Há sim, entre eles um ponto de heresia, que separa a teoria psicológica de Condillac, Galiani, Graslin, da fisiocracia. Nenhuma das duas escolas fundou a economia política; elas diferem no ponto de origem e direção, mas numa rede de necessidade idêntica. 

Para os fisiocratas, o fruto de que tenho fome é um bem; só haverá riqueza no excedente.  E se outro precisar e vir à mim. Ora, as trocas têm por fim repartir os excedentes de maneira que sejam distribuídos aos que carecem. As riquezas, portanto, são provisórias, pois que se destinam ao consumo.

Esta constituição do valor pelo comércio acarreta gastos com transporte, transformação, etc; de sorte que uma subtração de bens é necessária para que certos bens possam ser transmutados em riquezas.  O único comércio em que nada custaria seria a permuta pura e simples, na qual os bens só são riquezas por um tempo ínfimo. 

Os fisiocratas só contam com a materialidade dos bens: a formação do valor nas trocas torna-se dispendiosa e se estabelece mediante a dedução dos existentes. Constituir valor, não é, pois, satisfazer necessidades mais numerosas, mas sacrificar bens em onme doutros. Os valores formam o negativo dos bens. 

Mas como estes se formam? Qual a origem deste excedente que pode virar riqueza sem que os bens se exauram por força de trocas sucessivas? Como o custo da formação incessante de valor não os esgota?

O comércio não pode achar em si este suplemento. Pois ele se propõe trocar valor por valor e segundo  maior igualdade possível.  Par dar muito, é preciso receber muito. Por certo, uma mercadoria pode chegar num lugar com preço superior ao da origem; mas isto corresponde aos gastos reais de transporte; e se ela nada perde com isso, é porque a mercadoria estagnada pela qual foi trocada perdeu estes gastos de transporte no seu próprio preço. 

Assim, não é o comércio quem produziu estes supérfluo; é preciso que já existam para que ele seja possível. A indústria também não retribui o custo da formação do valor. Se há concorrência, quase que a manufatura só retribui a matéria prima e o consumo daqueles que sacrificaram bens para fazê-la, pois o artesão destrói em subsistência tanto quanto produz no trabalho. E se há monopólio, o preço alto retribui melhor os salários; e se os benefícios do empresário crescem, isto se deve à baixa proporcional do valor de troca das outras mercadorias: só se faz fortuna quando os demais fazem despesas.

Aparentemente, a indústria aumenta os valores; mas ela só subtrai da troca as subsistências, sendo pois o consumo em ao a produção quem aumenta. O consumo do operário que garante subsistência, empresário que colhe benefícios, e o ocioso que compra o valor só aparece onde os bens desaparecem; e o trabalho funciona como despesa, um preço da subsistência que ele próprio consumiu.

O mesmo ocorre com o trabalho agrícola. Ele também é ferramenta que precisa de subsistência e a extrai dos produtos da terra e no comércio  com a terra, o trabalho fornecido pelo agricultor é supra-retribuído pela natureza, um grão por uma espiga.

O crescimento de valor na produção aí não é devido à manutenção do produtor. Há um produtor divino com o qual o homem colabora e tem por sócio. A sua subsistência é mínima ante sua produção; a renda fundiária é que permite transformar bens em valores ou riquezas.

Daí os fisiocratas tiram duas preocupações: dispor-lhe grande numerário para que ela aumente o trabalho, o comércio e a industria; velar pelo adiantamento que deve retornar à terra para produzir mais. O programa abrange: aumento de preços, mas sem os salários; abono fiscal à renda fundiária; abolição de monopólios e privilégios, para haver preço justo; um vasto retorno do dinheiro à terra para os consumos anteriores às colheitas futuras.

É esse excedente que é trocado que forma o valor, e que também é gasto na troca. Os fisiocratas começam sua análise pela própria coisa designada no valor, mas que preexiste ao sistema de riquezas, o mesmo que os gramáticos quando analisam as palavras partir da raiz, da relação imediata que une som e coisa, e das abstrações sucessivas pelas quais este som se torna nome numa língua.


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