IV – O Zen e as artes
1. A arte é a forma direta de compreender o zen, sobretudo por não
ser simbólica como a arte budista, ou religiosa em geral.
2.
Marca-se pela naturalidade, pela total ausência da artifício, pelo
‘acidente controlado’, não só na idéia de representar a
natureza como de ser igualmente uma obra da natureza.
3. Não é a
arbitrariedade que marca o zen, e sim a idéia de que não há
diferença entre o azar natural e o controle humano. Não faz
diferença dizer se é uma disciplina espontânea, ou uma
espontaneidade disciplinada.
4. A arte ocidental parte de uma
tradição espiritual de que o espírito inteligente e criador desce
à matéria inerte e recalcitrante, e a domina; e, como diz, Malraux,
o artista conquista o meio, e os cientistas falam de conquistar o
espaço.
4.1. Para o japonês ou chinês, isso é grotesco, pois
quando subimos na montanha é ela que nos eleva. E quando pintamos, o
pincel, caneta ou tinta determina tanto o resultado quanto nós.
4.2. No pensamento zen, o homem está aqui em
sua casa, o homem é parte do ambiente natural e da inteligência
universal. Os opostos são relativos, e harmônicos a nível
profundo. O dualismo espírito/ matéria, artista/ meio, sujeito/
objeto, bem/ mal, são-lhe estranhos.
5. No universo em que vige a
relatividade, e não a guerra, não há finalidade, porque não há
vitória a alcançar. Todo fim é um extremo, e como tal, vinculado
ao seu oposto. O mundo não vai a parte alguma, não é preciso
fugir. A pressa é fatal. Tome a sua parte com calma, que em chinês
significa o mesmo que mudança.
6. Conceber uma meta torna impossível
praticar a arte. O mestre vigia o aluno como um jardineiro a uma
árvore, e quer que ele cresça como ela; naturalmente, e sem
finalidade. Não há atalhos, porque cada etapa é ao mesmo tempo,
princípio e fim. E não há termino, formatura, etc.
7. o paradoxo é
que a vida com finalidade carece de conteúdo e significação.
Quando não há pressa, se pode receber o mundo totalmente. E não se
choca com o curso ou marcha das coisas, pois e mentalidade taoista
deixa tudo crescer. e na verdade, não
há diferença entre forçar a natureza e cultivá-la calmamente,
pois o diferencial não é o que é ou deve ser feito, mas a
qualidade da ação e do sentir. O ocidental não entende, pois quem
tem pressa perde a capacidade de sentir, de ter a atitude global.
7.1.
Ainda que pareça mero refinamento cultural, a arte zen, como todo
ofício expressa um do, um Tao ou caminho, análogo ao
mistério entre nós. Como a maçonaria entre nós assim surgiu; e
como o comerciante de Osaka, que pratica shingaku..
8. O modo
caligráfico chinês de pintar também serve á idéia de
naturalidade. A leveza que requer faz o bom observador perceber o
caráter por uma pincelada. Sumi-e, denominação no Japão.
8.1. As
paisagens sung não são tão maravilhosas como crê o ocidental. Um
dos segredos é a vacuidade de parte do quadro, que parece fazer
parte do mesmo. Pintando uma só esquina, à vezes parece ter pintado
tudo. É quase a doutrina do pintar sem pintar, afim a idéia zen de
‘tocar o alaúde sem cordas’. Equilibrar a forma com o vazio e
saber quando se há dito o bastante. O zen não sacrifica a impressão
estética nem o sacudir do sartori em favor da profundidade
reflexiva, de comentários, etc.
9. Desprezo à simetria e a forma
geométrica.
10. Um tema muito versado na pintura é do monge louco
ou lunático, gritando e correndo. O zen aí aponta o absurdo e
vacuidade da vida zen. O zen, e até o Taoísmo, são as únicas
tradições espirituais seguras de si a ponto de satirizar-se, livres
de inibições sociais, e podem rir não só de sua religião, como
em meio a ela.
10.1 “os gansos não se propõem refletir na água,
nem a agia pensa em receber sua imagem”. A arte zen reflete o
estado de não querer ir a parte alguma num momento intemporal.
11.
Assim como a resposta famosa: "três libras de linho" foi plena de zen, mas
não acerca dele ou sobre ele, assim a poesia zen mais expressiva é
aquela que não diz nada. Como na resposta de Feng-hsüeh à
pergunta: ‘quando o silêncio e a palavra resultam inadmissíveis,
que fazer para não errar?, que foi: ‘ainda me recordo de Kiangtzu
em março: o canto da perdiz, o maciço de flores fragrantes! 12. Os
haikain chamam o leitor a participar, e a não apenas admirar o
autor; dizem pouco, o vazio neles aí ta. Bashô.
12.1. “À larga
noite/ o som do luar/ diz o que penso”. “uma flor caída/
voltando à rama?/ não, é uma mariposa.” "o mar obscurece/ a voz dos patos selvagens/ são debilmente brancas”.
12.3. Parece que o amor japonês à natureza era à beleza e maravilha dela; mas Ryokan também foi poeta do piolho e da pulga, e da chuva fria. Um Francisco japonês, brincava como criança e sentia o que todo mundo sentia, sem vergonha ou orgulho. As pulgas de véu preto eram o seu rebanho. E, mesmo roubado, ainda é rico: “o vento traz/ suficientes folhas caídas/ para fazer fogo”.
13. A vacuidade quanto ao ido, e a falta de propósito levam ao presente inextenso, em que não dá tempo para acontecer nada.
14. se o Cristianismo é vinho, e o islã café, o budismo certamente é chá, sedante mental e ligeiramente amargo.
15. A cerimônia zen do chá. 15.1. secular, sem azo litúrgico. Sem culpa por escapar à pretensa ‘realidade’ econômica, política, mundana, escape tão necessário como o dormir. Pertencer por um momento, ao modo de vida do ermitão despreocupado.
16. O jardim zen é cultivado de modo tal que o jardineiro se sinta parte da natureza, ou seja, não cultivando, o que requer grande habilidade. Geralmente assimétrico, erguido a partir de um marco natural do lugar, como uma penha.
17. O aprendizado da técnica de arte zen revela sua peculiaridade na dificuldade de encontrar o ponto de começo. Herrigel (do livro 'a arte cavalheiresca do arqueiro zen'), passou cinco anos treinando a forma certa de soltar o arco, inintencionalmente, como uma fruta madura que cai. O paradoxo de treinar sem ‘tratar de’ a propósito mas sem intenção [como ir para casa meditando, indo sem ir intencionando, querendo diretamente, apenas indo pela mentalização natural do lugar a ir, pela ausência de mediação entre o imaginar e o agir, e sem artificialidade no imaginar.]. Trabalhar sem parar, mas sem esforço. A flecha dispara a si mesma. A arte do pincel é igual. Não adquire quem não treina sem parar, mas não adquire quem se esforça. Assim na esgrima; não podemos decidir um golpe e dá-lo: se a decisão e a ação não forem concomitantes, simultâneas, será fatal.
17.1. é claro que a arte zen pode ser imitada de modo indistinguível; mas ao zen não importa metas. Resultados nada tem a ver com ele, são euclidianos, abstratos. Viajar é estar vivo, e não chegar a parte alguma é estar morto. Mais importante é praticá-las que obter algo. O gozo real surge como os prazeres surpresa da viagem.
17.2. E não adianta planejar surpresa. Tampouco, supor que metade da vida seja controlada por ação, e metade seja zen: quem controlaria o controlador, e quem controla?
18. Pela compreensão da relatividade da oposição mente/ corpo, o zen adquire certo modo fisiológico. No cha-no-yu, por exemplo, cuida-se do respirar, para que seja naturalmente profundo e espontâneo.
18.1. Ignora-se a relação entre a respiração e o conhecimento intuitivo, mas tendo o homem mais por um processo que uma entidade, um ritmo mais que uma estrutura, há que se vê-la como algo que o homem faz- e é, então- constantemente. O método e disciplina é unicamente ‘vigiar e deixar’ que aconteça; ou, como disse uma cientista, dedicar a vida à ciência, não ao estudo da ciência.
19. A consciência superficial não é a mente original, mas uma atividade especializada. A claridade da visão nada tem a ver com o tratar de ver, mas com o deixar que os olhos vejam. Tentar concentrar-se no momento implica pensar que há outros, daí a ilusão.
12.3. Parece que o amor japonês à natureza era à beleza e maravilha dela; mas Ryokan também foi poeta do piolho e da pulga, e da chuva fria. Um Francisco japonês, brincava como criança e sentia o que todo mundo sentia, sem vergonha ou orgulho. As pulgas de véu preto eram o seu rebanho. E, mesmo roubado, ainda é rico: “o vento traz/ suficientes folhas caídas/ para fazer fogo”.
13. A vacuidade quanto ao ido, e a falta de propósito levam ao presente inextenso, em que não dá tempo para acontecer nada.
14. se o Cristianismo é vinho, e o islã café, o budismo certamente é chá, sedante mental e ligeiramente amargo.
15. A cerimônia zen do chá. 15.1. secular, sem azo litúrgico. Sem culpa por escapar à pretensa ‘realidade’ econômica, política, mundana, escape tão necessário como o dormir. Pertencer por um momento, ao modo de vida do ermitão despreocupado.
16. O jardim zen é cultivado de modo tal que o jardineiro se sinta parte da natureza, ou seja, não cultivando, o que requer grande habilidade. Geralmente assimétrico, erguido a partir de um marco natural do lugar, como uma penha.
17. O aprendizado da técnica de arte zen revela sua peculiaridade na dificuldade de encontrar o ponto de começo. Herrigel (do livro 'a arte cavalheiresca do arqueiro zen'), passou cinco anos treinando a forma certa de soltar o arco, inintencionalmente, como uma fruta madura que cai. O paradoxo de treinar sem ‘tratar de’ a propósito mas sem intenção [como ir para casa meditando, indo sem ir intencionando, querendo diretamente, apenas indo pela mentalização natural do lugar a ir, pela ausência de mediação entre o imaginar e o agir, e sem artificialidade no imaginar.]. Trabalhar sem parar, mas sem esforço. A flecha dispara a si mesma. A arte do pincel é igual. Não adquire quem não treina sem parar, mas não adquire quem se esforça. Assim na esgrima; não podemos decidir um golpe e dá-lo: se a decisão e a ação não forem concomitantes, simultâneas, será fatal.
17.1. é claro que a arte zen pode ser imitada de modo indistinguível; mas ao zen não importa metas. Resultados nada tem a ver com ele, são euclidianos, abstratos. Viajar é estar vivo, e não chegar a parte alguma é estar morto. Mais importante é praticá-las que obter algo. O gozo real surge como os prazeres surpresa da viagem.
17.2. E não adianta planejar surpresa. Tampouco, supor que metade da vida seja controlada por ação, e metade seja zen: quem controlaria o controlador, e quem controla?
18. Pela compreensão da relatividade da oposição mente/ corpo, o zen adquire certo modo fisiológico. No cha-no-yu, por exemplo, cuida-se do respirar, para que seja naturalmente profundo e espontâneo.
18.1. Ignora-se a relação entre a respiração e o conhecimento intuitivo, mas tendo o homem mais por um processo que uma entidade, um ritmo mais que uma estrutura, há que se vê-la como algo que o homem faz- e é, então- constantemente. O método e disciplina é unicamente ‘vigiar e deixar’ que aconteça; ou, como disse uma cientista, dedicar a vida à ciência, não ao estudo da ciência.
19. A consciência superficial não é a mente original, mas uma atividade especializada. A claridade da visão nada tem a ver com o tratar de ver, mas com o deixar que os olhos vejam. Tentar concentrar-se no momento implica pensar que há outros, daí a ilusão.
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