Do sexo à superconsciência - Há uma diferença entre falar algo e vivenciá-lo?

As coisas mais belas e sutis podem ser vivenciadas, mas dificilmente descritas, definidas. 

Se Osho estiver certo, concluiremos: a) o que está sendo falado por aí é algo feio e óbvio, destituído de beleza e sutileza, salvo raras exceções; b) o que é sublime e elevado está mais próximo do silêncio c) vivenciar é algo que se deve fazer preferencialmente em silêncio, sobretudo em se tratando de coisas belas, sublimes, sutis, elevadas. 

Em todo caso, parece haver uma antítese entre vivenciar e falar, entre uma experiência quiçá inefável e um falar convencional desacompanhado da experiência a que alude. 

Não estaria o problema na forma como nos comunicamos? 

Quiçá não haja nada incomunicável por natureza, e sim realidades que requeiram um tipo especial de comunicação. 

Existem diversas maneiras de classificar e compreender os fenômenos da comunicação  - e isto é essencial para captarmos a singularidade da linguagem apropriada às coisas do espírito. Por ora, buscaremos refletir a respeito a partir de uma distinção básica entre duas funções da linguagem, sob o ponto de vista do signo: representar e indicar. 

Tenhamos um signo à nossa frente: uma letra, uma sílaba, uma palavra, uma frase, um texto. 

Pode ser até um signo não verbal, como uma placa de trânsito ou um cartaz de proibição do fumo. 

Nestes casos, temos uma coisa (o signo) que se relaciona com outra coisa (o significado). 

Um signo como uma letra substitui graficamente o som daquela letra (o fonema): pense na vogal /a/. 

Um signo como uma placa de ''lombada a cem metros'' aponta para uma realidade exterior a ele. 

A letra substitui o som: a carta que leio substitui a voz da pessoa que me escreveu. Mas a placa indica a lombada: não a substitui. 

Evidentemente, este exemplo é didático e relativizável: há elementos de substituição na placa (o desenho da lombada, por exemplo); e há elementos de indicação na carta (a carta indica o som das palavras, que tenho em mente). A palavra escrita ''cachorro'' substitui a palavra falada e indica a realidade física do animal ou sua realidade abstrata (o conceito). 

Em todo caso, é possível falar em predominância de função: as palavras de uma língua têm função predominantemente substitutiva, ao passo que as placas de trânsito possuem função mormente indicativa. 

Posso ler a vida toda sobre o Japão e nunca ver diretamente o monte Fuji que o livro descreve para mim. A descrição substitui a visão. Fica no lugar. 

Mas, se estou no Japão e leio numa placa: Monte Fuji a 10 km, a placa me induz a ir até lá, indica o caminho. Mas não o substitui. E fica pra trás se vou para onde ela aponta. 

Cotidianamente, as palavras exercem as duas funções ao mesmo tempo: se você me pede para ir buscar a manteiga na geladeira, a palavra 'manteiga' substitui a visão do pote de manteiga (que você me apontaria se estivesse na mesa), mas a frase toda aponta o caminho para eu realizar aquele comando. 

A função primária é indicar, apontar, referir. A linguagem representa, substitui secundariamente, quando a realidade expressa linguisticamente não está presente. 

Contudo, com as coisas do espírito não é assim: as palavras não apontam, frequentemente, para as realidades espirituais, pois não foram talhadas para elas. Ficam, portanto, sem a função indicativa. 

Mas o quadro se agrava com outro problema: elas nos induzem a substituir ou representar a realidade verdadeira (que elas não conseguem indicar) por uma realidade imaginada, por simulacros mentais. 

Não estou dizendo com isto que a capacidade de imaginar criativamente significados não tenha valor, pelo contrário: a realidade é aquilo que nos fazemos dela. Porém, a criatividade só é positiva quando se acrescenta à realidade: é o real mais a idéia, como aquele que vai para o trabalho (realidade) vivenciando como uma grande escola ou como um templo sagrado (idéia). 

No caso da comunicação espiritual, quando faltam referenciais para aquele que recebe a mensagem, quando ele não sabe para onde ''olhar'' para ver o que lhe foi dito, ele recobre o discurso vazio com fantasias que o afastam frequentemente o alvo intencionado. 

É por isto, aliás, que muitos dos maiores mestres nada escreveram.

Para evitar isto, muitos sábios, pregadores espirituais e profetas que necessitam recorrer à escrita têm buscado elaborar formas de discurso que potencializem a função indicativa da linguagem. Pretendem encontrar modos de dizer que conduzam (ou ao menos aproximem) o discípulo da experiência espiritual que lhe permita vivenciar o que foi dito. 

Nesta tentativa, muita vez adotam como caminho justamente o minimizar o teor representativo ou substitutivo da linguagem: daí a busca pelo aforisma, pela imagem poética, pelo paradoxo, pela parábola. 

Eles sabem que toda explicação neste terreno fracassa terrivelmente. É por isto que Osho afirma: se pesquisarmos profundamente as linguagens da humanidade, não encontraremos palavra mais falsa do que 'amor'. Muitos dos que a falam jamais vivenciaram o que ela diz. 

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