A falsa questão da "origem da filosofia"

                 A riqueza e a fecundidade das concepções filosóficas formuladas ao longo de uma história milenar condenam todos os esforços sintetizadores a padecerem de precariedade. Se isto já é inegável no contexto dos 2.500 anos de filosofia ocidental, o que não se dirá no caso da filosofia oriental, cujas raízes remotas se ocultam na névoa de um passado mal conservado nos poucos registros históricos que possuímos?
            A questão da origem da filosofia tem suscitado acalorados debates desde os tempos da Antigüidade. Aristóteles, refletindo um consenso praticamente unânine entre seus contemporâneos, considerava Tales de Mileto o primeiro Filósofo da história da civilização graga, ainda que ele nada tenha deixado escrito a este respeito. Platão, por sua vez, foi um dos primeiros a se perguntar qual é o motivo que leva os homens a filosofar, e concluiu que "a filosofia começa com a perplexidade".
            Porém, se há uma parcela de verdade em tais proposições, também há uma parte de mal-entendido subjacente a elas. Afinal, como diz o grande filósofo brasileiro Álvaro Vieira Pinto, a filosofia não tem uma origem cronológica, situada no tempo, datável e documentável com mais ou menos exatidão. A origem da filosofia é o próprio homem, e o acompanha desde que nele a reflexão sobre a experiência imediata acendeu-lhe a chama do pensamento, mesmo antes do advento da escrita, e talvez mesmo, o da linguagem verbal. Da primeira interjeição onomatopéica do homem das cavernas à contemplação do grande sábio grego ou chinês, o pensamento é o fio condutor a costurar a trama da história humana.

            Por outro lado, tampouco adianta indagar pelo estado de espírito ou situação subjetiva idônea a suscitar a reflexão filosófica. Qualquer estado de espírito pode fazê-lo, pois o pensamento pode acordar a qualquer momento, em meio à ocupação mais insignificante, como também pode adormecer mesmo em presença da realidade mais incômoda ou mesmo fascinante. Aliás, ao longo da história, as mais diversas disposições de humor têm estado na base de doutrinas filosóficas: da ignorância socrática, à perplexidade platônica, á admiração aristotélica, à dúvida cartesiana, à fé agostiniana, à angústia kierkegaardiana, à indignação marxista, à paixão hegeliana, à reverência kantiana, à náusea sartreana – a diversidade é infinita. 

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