Algumas perspectivas filosóficas da tradição científica do Oriente

            A primeira impressão que ocorre a um estudioso da historiografia filosófico-cientifica, quando observa a tradição oriental, é a de que esta não alcançou o nível de desenvolvimento científico apresentado pela cultura do ocidente. Para muitos, os orientais não lograram uma separação satisfatória entre filosofia e ciência, o que culminaria tanto numa ciência imprecisa e cheia de superstições inverificadas, quanto numa filosofia pouco rigorosa, uma vez que não plenamente ciente das questões que lhe competiriam investigar.
            Contudo, para fazer justiça perante estes defensores partidários da tradição do ocidente, é preciso defender os aspectos positivos da outra parte. E eles são muitos. É bem verdade que existem superstições remanescentes em muitas práticas terapêuticas e mesmo em muitas doutrinas teóricas do oriente, mesmo nos dias de hoje. Porém, é preciso que não julguemos a ciência desenvolvida por eles a partir do nosso estreito critério científico. Não se trata de uma ciência inferior, mas de uma ciência desenvolvida com base em outros postulados teóricos, igualmente válidos como os nossos, e imperfeitos – como os nossos.
            A ciência oriental não estuda a realidade a partir da noção estreita de objeto. Nós partimos da idéia de substância, de realidade subjacente, e enxergamos a permanência por trás das coisas que mudam. Os orientais, em contrapartida, estão mais atentos à mudança, e consideram a realidade um grande conjunto de transformações; permanência, para eles, não significa ausência de mudança, mas mudança lenta.
            Desta forma, enquanto consideramos a saúde como uma situação permanente, ou que se há de tornar permanente, sendo ocasionalmente perturbada por uma doença que se deve combater, os orientais a compreendem como um processo, que comporta fases, que não permanece, de modo que devemos atentar para os ciclos que a regem de modo a fazê-la mudar adequadamente com eles. Para algumas doutrinas, inclusive, a doença muitas vezes é fruto da resistência à mudança, um bloqueio de energia vital, uma ausência de crescimento, um apego vicioso a uma situação que não deve mais permanecer.
            Porém, não se enxergue neste comparativo uma diferença absoluta. Sempre houve cientistas no ocidente atentos às transformações cíclicas, como também existiram doutrinas orientais de índole mais substancialista. Ademais, há toda uma tradição filosófica ocidental esquecida ou secundarizada, que se baseia em ideias afins às esposadas no oriente. Os antigos gregos compreendiam o mundo a partir da idéia dos quatro elementos – água, terra, fogo e ar. Hipócrates, por sua vez, considerado o pai da medicina ocidental, propunha uma teoria da saúde humana como resultante do equilíbrio e da alternância cíclica de quatro líquidos ou humores fundamentais: sangue, linfa, bílis negra, água. A própria filosofia era vista como uma 'medicina da alma', corolário do grande axioma grego: mente sã em corpo são.


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