As Razões de Aristóteles 15 - A confusão do Nous com intuição eidética, imediata ou não-discursiva

Segundo Enrico Berti, a noção de inteligência (noûs) em Aristóteles se prestou a inúmeros mal-entendidos na história do pensamento ocidental. Em muitas ocasiões, ela foi confundida com algum tipo de intuição.

Tal parece ser, para ele, o caso de pensadores como Bergson, Maritain e Heidegger. Eles partilhariam, de diferentes maneiras, a idéia de que o noûs de Aristóteles corresponde a algum tipo de intuição eidética, imediata ou não discursiva.

Bergson, ao longo de sua obra, contrapõe o conceito de intuição ao de análise. Aquele apreenderia verdades fundamentais, metafísicas, ao passo que este seria o modo de obter verdades fundamentadas, derivadas. A intuição seria uma espécie de ‘simpatia intelectual’, isto é, uma aptidão de se identificar de maneira não-ordinária com o objeto. Através dela, o sujeito se transportaria ‘para o interior do objeto’, captando o que ele possui de único e inexprimível.

Maritain, de formação católica, atribuiria para o noûs o papel de intuição intelectual, de captação direta de verdades novas e não fundamentais, porque complexas e muita vez contrárias ao senso comum mais cotidiano. Tal parece ser o caso das verdades reveladas, por exemplo: elas se dão imediatadamente àquele que as recebe de alguma maneira. Só que, se a recepção é imediata, o conteúdo pode não o ser: eu posso receber, imediatamente, todo um discurso revelado, em um longo encadeamento de princípios e conclusões. A fé, portanto, seria uma espécie de intuição intelectual.

Por fim, Heidegger, em Ser e Tempo, após interpretar o noûs aristotélico como uma “percepção direta do ser simplesmente dado”, incorpora o conceito de noûs em sua obra, sempre em contraposição ao de lógos. Só que eles não terão, aí, os sentidos de inteligência e razão demonstrativa. O noûs aparecerá, originariamente, como compreensão, e de maneira derivada, como interpretação, ao passo que o lógos se exibirá originariamente como discurso e derivadamente como proposição.


Não é o caso aqui de defender ou combater as concepções partilhadas por tais autores. Nem de decidir se a interpretação de Berti acerca deles procede. O que é essencial, nesta discussão, é entender que o noûs de Aristóteles se distingue da intuição metafísica, da intuição transcendente, da compreensão e da interpretação. Mas, ao que tudo indica, guarda estreita relação com cada uma delas (supondo-se, preliminarmente, que todas elas existam, de fato), ou, ao menos, com a possibilidade abstrata delas. 

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