Segundo
Enrico Berti, a noção de inteligência (noûs)
em Aristóteles se prestou a inúmeros mal-entendidos na história do pensamento
ocidental. Em muitas ocasiões, ela foi confundida com algum tipo de intuição.
Tal
parece ser, para ele, o caso de pensadores como Bergson, Maritain e Heidegger. Eles
partilhariam, de diferentes maneiras, a idéia de que o noûs de Aristóteles corresponde a algum tipo de intuição eidética,
imediata ou não discursiva.
Bergson,
ao longo de sua obra, contrapõe o conceito de intuição ao de análise. Aquele
apreenderia verdades fundamentais, metafísicas, ao passo que este seria o modo
de obter verdades fundamentadas, derivadas. A intuição seria uma espécie de
‘simpatia intelectual’, isto é, uma aptidão de se identificar de maneira
não-ordinária com o objeto. Através dela, o sujeito se transportaria ‘para o
interior do objeto’, captando o que ele possui de único e inexprimível.
Maritain,
de formação católica, atribuiria para o noûs
o papel de intuição intelectual, de captação direta de verdades novas e não
fundamentais, porque complexas e muita vez contrárias ao senso comum mais
cotidiano. Tal parece ser o caso das verdades reveladas, por exemplo: elas se
dão imediatadamente àquele que as recebe de alguma maneira. Só que, se a
recepção é imediata, o conteúdo pode não o ser: eu posso receber,
imediatamente, todo um discurso revelado, em um longo encadeamento de
princípios e conclusões. A fé, portanto, seria uma espécie de intuição
intelectual.
Por
fim, Heidegger, em Ser e Tempo, após interpretar o noûs aristotélico como uma “percepção direta do ser simplesmente
dado”, incorpora o conceito de noûs
em sua obra, sempre em contraposição ao de lógos.
Só que eles não terão, aí, os sentidos de inteligência e razão demonstrativa. O
noûs aparecerá, originariamente, como
compreensão, e de maneira derivada,
como interpretação, ao passo que o lógos se exibirá originariamente como discurso e derivadamente como proposição.
Não
é o caso aqui de defender ou combater as concepções partilhadas por tais
autores. Nem de decidir se a interpretação de Berti acerca deles procede. O que
é essencial, nesta discussão, é entender que o noûs de Aristóteles se distingue da intuição metafísica, da
intuição transcendente, da compreensão e da interpretação. Mas, ao que tudo
indica, guarda estreita relação com cada uma delas (supondo-se,
preliminarmente, que todas elas existam, de fato), ou, ao menos, com a
possibilidade abstrata delas.
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