A História Natural, enquanto
saber classificatório das formas da natureza viva, partilha com a linguagem
humana a mesma condição de possibilidade. Classificar e falar são possíveis
porque a representação é votada ao tempo, à memória, à reflexão e à
continuidade.
Em outras palavras, porque um
mesmo fundamento representacional possibilita a recordação das formas e das
palavras, a organização dos grupos e das ideias, a demarcação de linhas comparativas
e frases, árvores de espécies e parágrafos.
A História Natural se destinava a
ser uma linguagem das formas vivas.
Todavia, a HN só pode ser
linguagem se bem feita e universal, pois a língua espontânea e imperfeita,
entre a proposição, a articulação, a designação e a derivação. Ela deixa margem
para o individual, nos preconceitos, hábitos e sentimentos. Sem falar nas suas
centenas de línguas que diferem nas palavras e na relação com a representação.
Na HN, toda proposição tem que
ser recorte constante do real (atribuindo à representação o que aí se
articula). A designação que ela efetua deve indicar o lugar do ser na
disposição do conjunto.
Na linguagem, a função do verbo é
universal e vazia, prescrevendo somente a forma mais geral da proposições, mas
é dentro desta que os nomes se articulam; a estrutura da HN faz os dois:
articula todas as variáveis que podem ser atribuídas a um ser. E se, na
linguagem, a designação está exposta ao acaso das derivações, que a estendem
aos nomes comuns, o caráter permite marcar o ser e situá-lo dentro das
generalidades.
A nomeação é a passagem da
estrutura visível ao espaço taxonômico. Mas, enquanto a imaginação, nas
identidades ou semelhanças imediatas, liga a monotonia do verbo à policromia da
derivação e da retórica, a natureza não pode ser aleatória, devendo abrigar
continuidade, não identidades fortuitas. Só por haver semelhanças reais na
natureza é que a imaginação e a memória podem agrupar coisas muito ou pouco
diferentes. A imaginação unia a continuidade plena da natureza à vazia mas
atenta da consciência.
Por isso não, havia uma biologia
no século XVIII, pois não havia a vida como fenômeno em si, mas seres vivos que
se parecem e se dispõem. A vida é somente um dos caracteres, uma propriedade
comum, uma categoria relativa aos critérios de classificação. Categoria
imprecisa, aliás, como o zoófito, em questão de fóssil (foram vivos?) e de
metais (têm vida?).
O naturalista é o homem do
visível estruturado e denominação característica, não da vida.
A História Natural não balbucia
uma filosofia da vida, mas das palavras. Dela parte a e ela retorna para
segui-la e mudá-la. A questão crítica, entre Lineu, Locke, Buffon e Hume, era a
do fundamento da semelhança e da existência do gênero.
No final do sec. XVIII, a crítica
se desloca; enquanto Hume fazia do problema da causalidade um caso de
interrogação geral sobre as semelhanças, Kant, isolando-a, inverte a questão;
em vez de fixar relações de semelhança e distinção sobre o fundo das
similitude, ela questiona a síntese do diverso.
No mesmo movimento, a critica se
reporta do conceito ao juízo, da existência do gênero (obtida pela análise das
representações) à possibilidade de ligar as representações entre si, do direito
de nomear ao fundamento da atribuição, da articulação nominal à proposição
mesma e ao verbo ser que a estabelece.
Ela se acha, então, absolutamente
generalizada. Em vez de valer somente a propósito das relações entre natureza e
natureza humana, ela interroga a possibilidade mesma de todo conhecimento.
Daí, somente aí, a vida emerge
como objeto distinto, de Kant a Dilthey e Bérgson.
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