Segundo Foucault, a História
Natural tem por condição de
possibilidade o pertencer comum da coisa e da linguagem à representação, ou
seja, na medida em que ambas se deixam reduzir a esta terceira coisa, a
representação.
Todavia,
ela só existe como tarefa na medida em que coisas e palavras estão separadas,
para reduzir a distância. Se coisas e palavras fossem
representáveis, mas estivessem tão próximas uma da outra, seria desnecessária a
representação.
Assim, a História
Natural, enquanto saber da representação, é uma nomeação do visível. Daí a sua aparente ingenuidade, no sentido de
somente catalogar o que vê, sem indagar profundidades e séries causais remotas,
como a biologia de Darwin em diante.
A bem da verdade,
também se lhe reconhece um novo e inegável mérito. Mas não se diga que, nela,
secorrigiu uma desatenção milenar: foi um campo novo de visibilidade que se
abriu.
A HN não foi possível
só porque se quis olhar mais de perto, mas por se querer restringir o campo da
experiência. A observação é aí um conhecimento sensível combinado com condições
sistematicamente negativas do ouvido, do gosto, do variável e impassível de
aceitação universal.
Assim, reduz-se o tato
ao evidente, liso e rugoso, e se dá o privilégio da visão, o sentido da
evidencia e da extensão. O cego do século XVIII pode ser geômetra, mas não
naturalista.
Reduz-se também o
olhar: desprestigia-se as cores na comparação. A observação parada filtra
objetos: linhas, superfícies, formas, relevos. Daí se pôde melhorar os
aparelhos óticos, fundados na relação não instrumental entre coisa e olho.
Neste panorama, o
objeto é a extensão dos seres vivos, em quatro variáveis: forma dos elementos,
quantidade, modo de distribuição uns face aos outros, grandeza relativa. Para
Lineu, número, figura, proporção situação se aplicam a todas as partes da
planta.
A partir do exemplar,
todos podem descrever; a partir da descrição, todos reconhecer. Ser descritível
é poder tomar estes 4 valores, a estrutura. A visibilidade do animal passa por
inteiro pra o discurso que a recolhe. Daí a pretensão do caligrama de Lineu, as
palavras geometricamente dispostas no texto, imitação anatômica, da raiz ao
fruto, em tantas alíneas quanto as partes, em maiúsculo o principal. O livro
seria o herbário das estruturas.
A estrutura fornece
analisado à linguagem o que é confusamente simultâneo na representação. A
proposição está para esta como a descrição para o objeto, uma seriação. Mas,
enquanto a linguagem comporta uma teoria da proposição e outra da articulação,
e uma representação enseja várias proposições, só há uma descrição para cada
ser, pois a estrutura do animal faz com que a HN seja uma linguagem bem feita,
onde o desdobramento proposicional é uma articulação. Não pode haver amgibuidade
e vagueza na descrição naturalista, como as há na descrição comum. Não pode
haver metáforas.
A estrutura cumpre as
duas funções. Ela liga a possibilidade de uma HN à mathesis universalis, à rede
universal dos saberes, ideal científico e filosófico da época. E remete o
visível a um sistema de variáveis assinaláveis, se não quantitativamente, ao menos
por uma descrição clara e distinta, finita sempre, havendo entre os seres
naturais o sistema das identidades e a ordem das diferenças.
Assim, para Adanson, a
botânica ainda seria como a matemática, e se lhe formularia problemas: o ponto
mais sensível que separa escabiosas a madressilvas, ou encontrar um gênero de
plantas natural ou não entre duas outras.
Os seres entram, na
estrutura, tanto na sucessão da linguagem descritiva quanto no campo da
máthesis, relação constitutiva complexa na aparente simplicidade do visível
descrito.
Os seres são volumes e
linhas, não funções ou tecidos; são patas e cascos, não líquidos e respiração.
A anatomia perde papel diretivo; embora não regredisse, não possuía a
visibilidade da botânica. A taxonomia levou à botânica, não o contrário.
Os jardins são importantes
pelo que mostram e ocultam: as formas versus os organismos. Em Bopissier da
Sauvages separa-se o “saber histórico do visível” e o “saber filosófico do
invisível”. Prevalece a anatomia por classificação, organismo por estrutura, a
subordinação ao caráter visível, a submissão da série ao quadro.
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