Segundo
Foucault, imputa-se, aos séc.XVII e XVIII o interesse pela vida, e a dizem
fruto da valorização da observação e a evolução dos aparelhos, como o
microscópio. A revolução tecnológica em andamento teria permitido um maior
desvendamento do mundo natural, e a percepção mais saliente da Vida atuando por
toda a parte.
Uma outra
razão atribuída para isto residiria no advento e disseminação da física
mecanicista. De fato, é comum pensar-se que, com a vitória de Descartes, no
plano filosófico, e de Galileu no plano científico, teria se dado a vitória das
quantidades, extensões e causas sobre as essências, ideias e teleologias do
período medieval.
Há, ainda,
quem arrole o interesse econômico pela agricultura, exemplificado na
fisiocracia (escola de pensamento econômico pautada pela valorização dos
recursos naturais e da produção diretamente associada a eles), pelo esboço de
desenvolvimento do pensamento agronômico, pela busca de aclimatação de
exotismos bióticos e as viagens de exploração, e a valorização ética da
natureza. De maneiras diversas, a natureza voltou a merecer a atenção dos
homens da Cidade.
Quanto às
formas, viu-se primeiro, uma fase mecanicista, com posterior progresso da
química e a ascensão do vitalismo taxonômico de Lineu e o inclassificável de
Buffon. Ou seja, numa esquematização linearizada, primeiro vê-se um
desenvolvimento de uma visão fisicalista, seguida de uma inflexão quimicalista,
e culminada em um aprofundamento biologista, bem ao modo como será pensada
emergência progressiva das ciências no Positivismo, no qual a Física aparece
como alicerce da Química, esta da Biologia, e esta das ciências que se
ocupariam do homem-mecanismo, agregado resultante desta série escalonada de
leis e domínios.
Obviamente, tenta-se justificar este
pensamento a partir dos fatos. Daí teriam surgido, para muitos historiadores, a
preformação (teoria biológica que argumenta que os seres vivos já são
pré-formados na fase seminal, sendo a gestação mais uma fase de crescimento que
de gênese e desenvolvimento). Também seria o caso da evolução do germe, e a
análise dos funcionamentos, todas explicáveis mediante a redução ao do
biológico ao químico, deste ao físico – entendendo-se este último, sobretudo,
como mecânico.
Daí se busca
refazer, retrospectivamente, os debates da época. Crê-se ter havido uma querela
entre o providencialismo teológico e a autonomia da natureza, ou seja, entre a
visão de um Deus autor e regulador do mundo, e a perspectiva natural bruta de
um causalismo cego, se origem e sem destino. Também se pensa ter havido uma
disputa intensa entre o primado da astronomia, mecânica e ótica ante o domínio
da vida e as ciências que a estudam. Enxerga-se, ainda, uma divisão entre os
partidos da imobilidade da natureza, que incluiria Tournefort e Lineu (a
natureza é e será o que sempre foi), e a potência criadora da vida, como
Diderot (e a contínua renovação – não evolutiva, ainda – da vida). Por fim,
pensa-se terem os estudiosos polarizado o debate em dois eixos principais: de
um lado, mecanismo e teologia; doutro, irreligião e intuição confusa da vida.
Para Foucault,
este modo anacrônico de atribuir aos século XVII e XVIII problemas que não são
os seus, tem algumas consequências graves, no tocante a erros de interpretação.
São: dificuldade em entender as redes que ligam p. ex. a taxinomia de Lineu e a
microscopia; a necessidade de fixar como fatos de observação a querela entre fixistas
e mobilistas no plano da filosofia da natureza, ou entre adeptos do método ou
do sistema na História Natural; a divisão do saber nas tramas do
sabido(escolástica, descartes, Newton), e o ignorado(evolução, vida,
organismo); e a aplicação de categorias anacrônicas a tal saber, como a de
vida, pretendendo-se histórias da biologia no séc. xviii..
Contra
estas perspectivas inadequadas a seu ver, Foucault se proporá desvendar a Episteme comum àquele período histórico,
a partir do capítulo V da sua obra.
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