Na
segunda seção do parágrafo 31, Heidegger se concentra na elucidação da
específica forma de retenção temporal inerente ao tédio profundo. O título da
seção já diz algo essencial sobre ela: trata-se de um ‘impelir imperativo para
junto da possibilitação originária do ser-aí (Dasein).
O
entediante no tédio profundo, este “é entediante para alguém”, por mais alto
que seja, por mais profundamente que nos afine, não é desespero. Não pode
sê-lo, evidentemente, em face do fato de que a entrega do Dasein ao ente na
totalidade, constitutiva do tédio mais profundo, decorre de uma serenidade vazia.
Esta
serenidade vazia, contudo, não reina sozinha – isto a faria desesperardora,
talvez. Ela ocorre, uma vez mais, aliada ao momento da retenção.
Mas,
como a temporalidade retesada aí se mostra? Na primeira forma do tédio, tem-se
o tempo hesitante – não apenas lento, mas arritmicamente lento, indeciso,
viscoso, incontrolável.
Na
segunda, o tempo está mais do que hesitante: estagnado. Ele simplesmente não
passa, se alonga como um grande agora, uma situação durante, uma
quase-permanência, como se, de repente, ele se substancializasse.
Nesta
última forma do tédio, entretanto, entra em colapso justamente aquilo que
perfazia o essencial na temporalidade da segunda forma: a situação. Há, nas
palavas de Heidegger, uma implosão da
situação, que empobrece o eu (já que o Dasein ou ser-aí é sempre situado, lançado num mundo concreto
previamente posto aí, como pletora de possibilidades pré-determinadas).
Como
consequência disto, o si-próprio, o âmago do eu, anuncia o ser-aí em toda a sua
nudez. Como interpretamos esta nudez?
Uma
indicação se encontra no que Heidegger diz exatamente a seguir: nesta nudez, é
o próprio ser-aí que é tocado pela recusa do ente na totalidade. O ente na totalidade
não é um conjunto abstrato de realidades, nem o universo tomado como unidade
globalizante em si mesma: é uma totalidade situada,
é a ‘face’ da realidade que se abre ao ser-aí desde a sua perspectiva única,
desde onde e quando ele está situado.
Ora,
com a implosão da situação, solapa-se justamente esta janela para o ente na
totalidade que é a minha circunvisão, a minha visão do mundo circundante, do
aspecto na localidade do ente na totalidade. Logo, o ente na totalidade se
recusa a mim, vez que lhe falta aquilo a partir do que ele me vem ao encontro.
Esta
recusa porém, não é uma mera ausência passiva, uma nulidade, um vazio formal.
Ao contrário, ela se dá enquanto fenômeno, algo que toca o Dasein ou ser-aí.
Ora, se o ente na totalidade nos toca quando estamos lançados no mundo,
situados, este implodir da situação, este ir-embora do ente na totalidade, nos
toca no modo da recusa.
Alegoricamente,
podemos comparar à sensação do vácuo causada pelo súbito afastamento do
automóvel que estava à nossa frente.
Por
trás da imediata negatividade deste fenômeno, da gravidade da recusa do ente na
totalidade, o tédio profundo esconde uma mensagem que pode e deve ser ouvida. É
o que será visto no próximo texto.
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