Aquele
que inicia a leitura da Fenomenologia do
Espírito sem uma atenção prévia ao seu prefácio não se dá conta de que,
ali, Hegel não está somente efetuando considerações apresentativas desta obra
em si mesma, mas de uma totalidade maior da qual a Fenomenologia faz parte.
Um olhar mais detido já levanta a
suspeita em pleno título: “Prefácio ao Sistema da Ciência”. Quando da sua
publicação, a Fenomenologia do Espírito constituía, para o próprio Hegel, a
primeira parte de um Sistema, o “Sistema da Ciência”.
Trata-se,
a rigor, não de um Sistema científico tradicional, nem de um sistema
meta-científico (como pretendeu ser o Positivismo), mas de um Sistema de
Ciência enquanto Filosofia Especulativa, ou Sistema de Ciências Filosóficas.
Com
o passar do tempo, no entanto, a compreensão do próprio Hegel a respeito do
papel que a Fenomenologia do Espírito ocupa em seu Sistema mudou
significativamente. Ela deixou de ser vista como uma introdução geral à sua
obra, uma obra de imersão da consciência não-filosófica no elemento
especulativo que dará a tônica do Sistema como um todo.
Hegel
passa, então, a considerá-la como a primeira parte da “Filosofia do Espírito”,
mais especificamente, de seu segundo momento, o Espírito Subjetivo. E a própria
Filosofia do Espírito é já a terceira parte do Sistema, à qual antecede uma
Lógica e uma Filosofia da Natureza.
Há,
no entanto, diversas explicações para esta mudança de perspectiva. E, em
verdade, ela não altera drasticamente o modo como a obra deve ser meditada em
si mesma. Pode-se dizer, por exemplo, que a Fenomenologia é a introdução histórica ao Sistema, entendida a
história no sentido especulativo, enquanto Evolução do Espírito no Tempo.
Assim,
já que o homem, na perspectiva hegeliana, possui, na sua consciência
particular, um momento do Espírito Subjetivo, eis que é pela Fenomenologia que
ele deve adentrar a compreensão do Sistema da Ciência.
Somente
então, quando a consciência já alcançou o Espírito Absoluto na forma do Saber
Absoluto (o que acontece ao final da Fenomenologia), é que ele poderá recomeçar
a apreensão especulativa do Sistema como um todo, a partir da Lógica, que é o
seu primeiro momento estrutural.
De
certa forma, o Sistema da Ciência proposto por Hegel constitui uma espécie de
unidade especulativa, na qual cada momento pode ser considerado como princípio
e fim, como na famosa máxima de Heráclito de Éfeso: “igual é o princípio e o
fim na periferia do círculo”.
Em
todo caso, o Prefácio da Fenomenologia constitui uma apresentação do plano
geral do Sistema, ainda que sem a descrição pormenorizada dos momentos
pretendidos, e sim com o esclarecimento relativo à natureza do pensamento
especulativo necessário para realizar esta imensa empreitada.
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